sexta-feira, 26 de abril de 2013

Truco institucional - Denise Rothenburg

A decisão do presidente Henrique Eduardo Alves de suspender a tramitação da proposta de Nazareno Fonteles representa um atestado de serviço malfeito à Comissão de Constituição e Justiça, a principal da Câmara

A impressão que se tem é a de que o mundo político virou uma barulhenta mesa de truco, aquele jogo em que os blefes e os gritos valem mais do que as cartas que o jogador tem nas mãos, e isso vale para todos os Poderes da República, sem exceção. As regras são simples. O sujeito diz “truco”. Se o outro quiser blefar ou tiver cartas maiores, grita “seis”! Se o adversário achar que é blefe, grita “nove”, ou corre. Se tiver com uma boa mão, vai ao “12”. E aí, os jogadores colocam as cartas sobre a mesa.

Vejamos primeiro a proposta de emenda constitucional (PEC) do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), no sentido de fazer passar pelo Congresso as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). (Truco!) Dizem, muitos congressistas, ter sido motivada por pura vingança, por causa da condenação de petistas no julgamento do mensalão. Ainda mais às vésperas dos trâmites finais da Ação Penal 470 no Supremo.

Para quem não acompanhou a sessão do Senado na noite da mesma quarta-feira, fica aqui a memoriazinha. Os senadores estavam votando o projeto que pretende barrar a cessão de tempo de tevê e Fundo Partidário quando o ministro do STF Gilmar Mendes concedeu liminar suspendendo a tramitação da proposta. (Seis!)

Os congressistas, em especial do PMDB e do PT, consideraram a ação de Gilmar Mendes a resposta à aprovação da PEC de Fonteles na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Pelo sim, pelo não, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), sabedor do estrago que o país sofrerá se as instituições se transformarem numa mesa de truco, “correu” (com todo o respeito!). Num ato de sensatez, suspendeu a instalação da comissão especial para analisar a PEC de Nazareno Fonteles até que tenha um estudo completo sobre a constitucionalidade do tema.

Agora, vamos ao STF. O Supremo não foi de iniciativa própria barrando a votação do projeto de lei no Senado. Agiu provocado por um senador, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), que comemorou a decisão de Mendes. Entre os senadores, a minoria que não suportou ver a matéria desembarcar na Casa e, rapidamente, ser submetida ao plenário sem passar pelos trâmites normais ou, pelo menos, uma comissão. E, provocado, o STF apenas suspendeu a votação, para que possa avaliar o que está acontecendo. Aliás, reza a Constituição, a tarefa do STF é zelar pelo cumprimento dos preceitos constitucionais.

Obviamente, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que integra a maioria e tem que zelar pelo interesse de todos os partidos, não gostou. Afinal, a liminar de Gilmar Mendes deixa transparecer a ideia de que Renan também teria atropelado a minoria (daí, parte dele o grito “nove” na mesa de truco). Além do mais, na visão dos congressistas ligados a Renan, caberia ao STF avaliar um ato jurídico perfeito, ou seja, a lei depois de aprovada, e não um projeto que ainda estava em discussão e nem havia sido votado. O argumento não deixar de ter validade.

É preciso, entretanto, avaliar com calma todos os lances. O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), ponderado estudioso e constituinte de 1988, lembra que o texto elaborado pelos congressistas há quase três décadas é pródigo na promoção do equilíbrio entre os Poderes da República.

Quando o Poder Executivo adota medidas exorbitantes às suas funções, nada impede que o Congresso vote um decreto legislativo pondo os pingos nos is, de forma a mandar um recado claro ao Executivo no estilo “alto lá, você não é dono da verdade”. Da mesma forma, quando alguém se sente ferido no seu direito dentro do parlamento, pode recorrer ao Supremo a fim de buscar auxílio para evitar abusos. E cabe ao STF dizer “epa, peraí, vamos devagar”. O ministro Gilmar Mendes nada fez além de socorrer uma minoria sufocada no Congresso.

Enquanto isso, na CCJ…

O único ponto fora da curva é a decisão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) de votar uma PEC que, à primeira vista, parece transferir poder do STF para o Congresso, rompendo a tal “harmonia” entre os Poderes. A decisão do presidente Henrique Alves, de suspender a tramitação da PEC, também merece uma reflexão. Embora tenha sido no sentido de baixar a temperatura ontem entre Congresso e STF, deixa a impressão de que a CCJ, a quem cabe a análise da constitucionalidade de uma PEC, não fez o dever de casa direito, e Henrique terá que refazê-lo. Essa novela ainda terá alguns capítulos. E, graças à nossa Constituição de 1988, tão criticada e remendada, a tendência é que tudo volte ao normal. O que não pode é sair para golpes baixos e vinganças, atos que não são compatíveis com o que se espera de estadistas e verdadeiros homens públicos. Os homens de bem sabem sair da mesa de truco sem pontapés, socos ou quebra-quebra. Esperamos que seja esse o caso dos atores desse truco institucional.

Fonte: Correio Braziliense

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