quinta-feira, 27 de junho de 2013

Brasil vence. BH perde

Enquanto a torcida fazia festa no Mineirão, manifestantes e PM entravam em confronto. Um jovem caiu de viaduto e morreu. Vândalos promoveram o terror na Antônio Carlos

Dentro do perímetro da Fifa, tranquilidade total na área do estádio, garantida pelas barreiras de segurança, e comemoração pelos 2 a 1 da Seleção Brasileira sobre o Uruguai. Do lado de fora, uma das principais avenidas da cidade abandonada à ação de marginais, que depredaram e saquearam lojas, além de incendiar concessionárias de veículos, levando pânico a moradores da vizinhança.

O protesto começou pacífico no Centro, com caminhada até o cerco na Abrahão Caram, mas descambou para enfrentamento com a PM. Douglas Henrique de Oliveira Sousa, de 21 anos, morreu depois de cair de viaduto. Pelo menos 15 pessoas se feriram. A polícia evitou que manifestantes se aproximassem do Mineirão. Mas levou uma hora e meia para combater os bandidos que agiam na Antônio Carlos.

Uma praça em três tempos

Ao longo do dia, protesto no Centro de BH transcorre de forma pacífica. À noite, espaço é cercado pela polícia

Alfredo Durães, Eduardo Tristão Girão, Luciane Evans, Paula Sarapu, Paula Takahashi, Pedro Ferreira e Sandra Kiefer

O coração de Belo Horizonte, a Praça Sete, confluência das avenidas Afonso Pena e Amazonas, viveu fortes emoções ontem. Do nascer do sol, às 6h, às 23h, uma equipe do Estado de Minas manteve vigília no local. Foram 17 horas de prontidão, observando as pessoas, sentindo o clima e a energia de quem circulou por ali. Sem a correria do vaivém de milhares de pessoas que trançam por ali diariamente, o espaço foi substituído por gente que vestia branco – em sinal e pedido de paz –, de verde-amarelo, com cartazes e bandeiras nas mãos. Os pedidos eram variados: desde melhorias na saúde e educação, transporte de qualidade, não à PEC 37 e punição para a corrupção, até o fim da violência no país. Onde pulsa uma das maiores metrópoles brasileiras, a quarta-feira transcorreu em clima de paz durante o dia. Gente vinda de todos os lugares, famílias inteiras e muitas crianças pouco a pouco enchiam e coloriam a praça, numa demonstração de cidadania. Com o fim do jogo Brasil x Uruguai, a paz tão solicitada pelos participantes deu lugar a cenas de horror, vandalismo, medo e muita correria, com mascarados invadindo o espaço no início da noite, com atos violentos, levando o Batalhão de Choque a cercar todas as saídas da Praça Sete.

São 6h e o Pirulito da Praça Sete, no Centro de BH, aponta para a Lua ainda cheia, já em sua fase minguante, com um movimento fraco, em comparação ao habitual. Ainda é escuro e há algumas poucas dezenas de pessoas dispersas pelos amplos quarteirões. Rapidamente, o cenário vai se modificando, como num filme, e, às 8h, já são centenas de gritos, apitos e cidadãos empunhando cartazes e bandeiras. No feriado municipal decretado às pressas, eles fecharam o cruzamento, dando início a mais um dia de protestos na cidade.

Quase todo o comércio da região havia baixado as portas na véspera, com exceção de lanchonetes e bancas de jornais e revistas. O tradicional Café Nice, ponto de encontro de belo-horizontinos desde 1939, não funcionou. Policiais militares só começaram a marcar presença em maior número no local às 8h, bem como a Guarda Municipal. A coronel Cláudia Romualdo, comandante do Comando de Policiamento da Capital (CPC), informou que, dos cerca de 5,5 mil policiais responsáveis pela segurança durante as manifestações de ontem, 800 foram designados para ficar exclusivamente no Centro da cidade.

O estudante Diego Fernandes, de 32 anos, era um dos responsáveis pela organização do protesto e acreditava poder contribuir para tornar o movimento mais tranquilo com a câmera do seu celular. "Desde segunda-feira, eu e outras 18 pessoas estamos fotografando vândalos e repassando as imagens para a Polícia Militar", explicou. Pelo menos oito pessoas teriam sido presas durante as manifestações graças a essa estratégia, garante ele.

Por volta das 11h, a aglomeração em torno do Pirulito engrossou, com a união de grupos que até então estavam isolados nas esquinas. Minutos depois, o trânsito foi fechado nos quatro sentidos do cruzamento pelos policiais e o protesto tomou ainda mais corpo com a chegada de manifestantes de diversas bandeiras, como trabalhadores rurais, taxistas e professores, que se juntaram ao público, essencialmente formado por jovens. Tudo transcorreu pacificamente.

Meia hora mais tarde, trabalhadores do Movimento dos Sem Terra (MST) desceram a Afonso Pena e passaram pelo protesto que já havia sido iniciado pelos médicos da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), na porta da administração municipal. Samuel dos Reis, um dos diretores do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais, informou que, desde março, eles aguardam um posicionamento da PBH, que recebeu as reivindicações dos profissionais da saúde e não se manifestou até agora. "Dos 24 itens que elegemos, 21 estão relacionados a melhores condições de trabalho."

No meio da multidão, famílias inteiras, crianças, jovens, idosos. Muitos maquiados, com blusa do Brasil, cartazes, bandeiras do país. Entre os vários manifestantes, uma pessoa chamou a atenção. Era Wilfried Lemke, assessor especial da Organização das Nações Unidas, que estava lá para acompanhar o manifesto. "Estamos acostumados com todo tipo de cobertura da mídia, mas como assessor da ONU prefiro ver os fatos com os meus próprios olhos e ouvir das pessoas os acontecimentos. Isso porque amanhã (hoje) pode ser que apenas vejamos tristes imagens de violência e não é isso que acredito que seja o significado deste movimento. Isso é algo histórico para o país. Estou muito interessado nos motivos que trouxeram as pessoas para as ruas. É importante que as Nações Unidas saibam o que ocorreu por mim também, como testemunha ocular deste dia."

Assembleia. Por volta das 13h, foi iniciada uma assembleia popular para definir se o grupo seguiria para o Mineirão. A maioria foi a favor da marcha em direção ao estádio pela Avenida Antônio Carlos. Às 13h30, a marcha seguiu a programação com a proposta de não tentar acesso pela Avenida Abrahão Caram, onde, no sábado, foi iniciado o confronto com a polícia. A intenção era chegar até o limite permitido e fazer uma manifestação pacífica para depois o grupo voltar à praça.

Muitos cidadãos permaneceram na praça. Por volta das 14h30, a PM recebeu denúncia anônima de que haveria uma bomba em uma lixeira na esquina entre as ruas Tamoios e Rio de Janeiro, em frente ao prédio do Banco Mercantil do Brasil. O Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) foi chamado para verificar a denúncia. O quarteirão foi isolado e a suspeita foi confirmada. Da lixeira foram retirados cinco fogos de artifício e um aparato utilizado para fazer fumaça. Segundo o tenente Matos, que comandou a operação, o material teria sido abandonado na lixeira. "A suspeita é de que a pessoa viu a chegada da polícia e se desfez dos itens", afirmou. Os fogos de artifício podem criar uma arma se direcionados para a multidão e foram muitos usados, no sábado contra a polícia.

Tensão O momento de maior tensão na Praça Sete foi por volta das 19h, quando manifestantes que estavam na Antônio Carlos começaram a voltar para o Centro. Houve uma briga entre as pessoas que estavam no local e um rapaz foi espancado. Segundo um dos agressores, ele era dono de um carro de som que estava mais cedo no protesto convocando a multidão. A PM reagiu soltando bombas de gás.

Houve explosão de bombas e correria por volta das 20h40. A fumaça branca se espalhou e por alguns instantes a praça ficou praticamente vazia, mas não demorou muito e foi reocupada. PMs do Batalhão de Choque, com escudos e porretes de madeira, ficaram posicionados nos quarteirões fechados do entorno.

Às 21h, mais explosões de bomba e os manifestantes foram praticamente "varridos" da praça. Vândalos desceram pela Rua Rio de Janeiro e jogaram pedras e tijolos nas janelas dos prédios.

Policiais fizeram barreiras na Afonso Pena, Amazonas e ruas de acesso à praça e impediram quem havia saído de voltar. Um carro de som da PM anunciava que estava retirando os marginais e devolvendo a cidade à população. Além disso, orientava aos "cidadãos de bem" a voltar para casa. A praça ficou praticamente vazia, mas um grande aparato policial foi mantido. Às 21h45, carros da Força Nacional de Segurança e da PM começaram a deixar a praça e o trânsito foi liberado para veículos e pessoas. Uma grande preocupação da PM era com as obras do BRT na Avenida Santos Dumont. Mais de 150 policiais do Batalhão de Choque fizeram um corredor polonês na altura da Praça Rio Branco para impedir o acesso dos vândalos ao canteiro de obras, onde eles poderiam se armar com paus e pedras.

Eu fui...à praça sete

"Como já tinha participado do movimento pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, aos 12 anos, fiz questão de trazer hoje (ontem) meus filhos, Mateus, de 11, e Júlia, de 8, para a manifestação na praça. Voltamos a ser caras-pintadas."
Geruza C. de Castro Madeira, advogada, de 33, e a família

Fonte: Estado de Minas

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