terça-feira, 25 de junho de 2013

O estopim e a pólvora - Almir Pazzianotto Pinto

Apenas os alienados foram colhidos de surpresa pelas manifestações que paralisaram São Paulo, se espraiaram a outras capitais, atingiram grandes cidades, até ocuparem a Praça dos Três Poderes.

Não estamos diante de ondas de vandalismo, provocadas por vadios interessados em promover badernas, destruir bens públicos e privados, bloquear o trânsito, multiplicar as dificuldades da população. O que observamos é erupção vulcânica, que traz do subsolo social o desengano de estudantes, trabalhadores, donas de casa, aposentados, servidores públicos, incapazes de reprimir, por mais tempo, o desespero diante do fracasso do Estado. É, sem sentido pejorativo, o estouro da boiada, magistralmente descrito por Euclides da Cunha em Os sertões.

O povo veio às ruas convencido de que não dispõe de canais de comunicação com autoridades municipais, estaduais, federais, do Executivo, Legislativo, e Judiciário. Deixou claro que, apesar de 30 legendas reconhecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, não existem partidos e políticos que o represente e defenda com honestidade, coerência, firmeza. Do PMDB, o primeiro de extensa relação, ao Partido Ecológico Nacional (PEC), cujo registro tem o nº 30, passando por PTB, PDT, PT, DEM, PCdoB, PSD, PSDB, são meras siglas controladas por dirigentes sem ideologia definida, que se digladiam à cata de ministérios, estatais, sociedades de economia mista, para obterem verbas e empregos.

Desencantado, o brasileiro tratou de extravasar a indignação diante da impunidade. Não por acaso, entre os cartazes exibidos por manifestantes, muitos cobravam condenações concretas dos réus do mensalão, temerosos de que o Supremo Tribunal Federal (STF) engate marcha à ré e os absolva.

O encarecimento do bilhete único foi o estopim da revolta. Estopim porque, entre todos os serviços públicos paulistanos, o transporte coletivo é o pior. Os usuários são tratados como gado, e estão convencidos de que promessas de melhoria, apresentadas em sucessivas campanhas, jamais serão cumpridas.

Aceso em São Paulo, o rastilho se espalhou provocando explosões pelo caminho, pois lhe não faltaram barris de pólvora acumulados por administradores venais.

Corrupção à solta e impune, e gastos vergonhosos em estádios faraônicos, ao lado de hospitais quebrados, escolas degradadas, ruas esburacadas, mobilizaram o povo em manifestações que deveriam ser tranquilas e passageiras, mas que, por carência de lideranças e de interlocutores, transbordaram em atos isolados de vandalismo.

Gustavo Le Bom, autor de Sociologia das multidões, descreve o que denominou “massa psicológica”, ou “alma coletiva”. Para ele, independentemente dos indivíduos que a integram, e por desiguais que lhes sejam as condições de vida, caráter, inteligência, e nível cultural, o fato de se reunirem em multidão fazem-nos sentir, pensar, e agir de maneira distinta de como agiria cada um, isoladamente. Sigmund Freud, por sua vez, ensina que o caráter inquietante e coercitivo, das formações coletivas, pode ser atribuído à afinidade com a horda primitiva, da qual descende. Para Le Bom e Freud a massa exige o comando de chefe investido de poder ilimitado, sem o qual se perde e fica fora de controle.

Entender a rebelião não é difícil. Basta olhar o semblante dos jovens participantes. Reunidos em massas desorganizadas, sob vagas palavras de ordem, extravasam as frustrações diante da leviandade de representantes que, após eleitos, renegam compromissos e abandonam quem os elegeu. Deles exigem que se afastem, caiam fora, permitam a renovação de homens e costumes.

Quanto às autoridades, da presidente Dilma aos governadores, nenhuma esteve à altura da crise. Recolheram-se e deixaram à polícia a tarefa de controlar a situação. O pior desempenho foi o do ministro da Justiça. Fazendo-se de ignorante, lançou a responsabilidade total sobre o governo de São Paulo, embora parcela importante do transporte coletivo caiba ao município, cujo prefeito, Fernando Haddad, foi isolado pelo PT.

O sucesso das manifestações perderá, porém, sentido, se for passageiro. Cabe aos jovens a responsabilidade de se integrarem concretamente à vida política, para dar vida e alma aos partidos, e desalojar, pelo voto, anacrônicos e corruptos dirigentes. Se o conseguirem, todos os sacrifícios serão válidos, e o Brasil passará a ser dirigido por representantes fiéis ao povo, como exige a nação.

Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

Fonte: Correio Braziliense

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