segunda-feira, 24 de junho de 2013

'Querem faturar com protestos', diz Marina

Ex-ministra critica quem 'surfa na onda' das manifestações, mas afirma que aliados estão 'legitimamente' nas ruas

Potencial candidata à Presidência condena repressão policial e acusa governo de tentar sufocar sua nova sigla

Diógenes Campanha

SÃO PAULO - Enquanto conversava com a Folha por telefone, na quinta-feira passada, a ex-ministra Marina Silva acompanhou, pela TV, as imagens da manifestação que transcorria em Brasília naquela noite. "Meu Deus, a polícia está batendo nas pessoas. Deve estar cheio de gente que eu conheço", afirmou.

Ela disse que se colocava no lugar das mães "desses meninos". Jovens que, segundo ela, colocaram em prática um "ativismo autoral" sobre o qual vem falando "há mais de três anos", e que é uma das bandeiras da Rede Sustentabilidade, partido que tenta criar para voltar a disputar a Presidência em 2014.

Veja trechos da entrevista.


Folha - A sra. vem falando sobre um "ativismo autoral" presente nas manifestações. Sente-se satisfeita com elas?

Marina Silva - Isso é tão grande que seria pretensioso [dizer isso]. Falando com você, estou emocionada. Poxa vida, eu queria muito que o Chico Mendes estivesse vivo, ele entenderia como ninguém o que estou sentindo agora, de poder ter pensado nisso [antes]. E uma demanda que eu vejo oculta é a de um realinhamento político por uma agenda para o Brasil. Parar de o PT querer governar sozinho pegando o que há de pior no PMDB, e a mesma coisa o PSDB. Se continuar no mesmo discurso, vamos continuar indignos dessas manifestações.

O que achou de partidos terem se manifestado após a revogação dos reajustes das tarifas, capitalizando os resultados?

É difícil falar. Me desculpe, mas é ridículo. Você tem a água cavando seu leito na terra e, quando ela transborda depois desse esforço, vê aqueles que querem surfar na onda. Não entenderam nada, não aprenderam nada.

A Rede, que divulgou comunicado dizendo que seus ativistas continuarão "presentes nessas horas", também não pode ser criticada?

Podem até dizer, porque o movimento é tão grande que as pessoas não têm a obrigação de saber que estamos nisso desde sempre. Não registrar que foi uma vitória seria injusto com os milhares e milhares da Rede. A gente nunca levou camisa, bandeira. Todo mundo da Rede que está aí legitimamente opera nessas manifestações, mas ela é multicêntrica. Se você vir as velhas bandeiras querendo surfar, faturar, a Rede é completamente diferente.

Qual acredita ser o seu papel diante desse movimento?

Meu papel é de mais um. A água que cava seu leito faz isso se misturando com a terra. Eu sou mais um nessa mistura de água e terra.

Mas também é uma liderança carismática capaz de juntar pessoas em torno de uma causa, inclusive a de poder voltar a disputar a Presidência...

Tenho dito que quero usar meu carisma para convencer as pessoas de que não dependam do carisma, que não acreditem que tem salvadores da pátria. A pátria é uma construção de todos nós.

A Rede defende a quebra do monopólio dos partidos na política. Não é contraditório formar um partido?

A Rede é um cavalo de Troia. Estamos antecipando o que seria essa nova institucionalidade política. Em vez de ser um partido para que os movimentos fiquem a serviço dele, somos um partido a serviço desses movimentos.

Como a Rede pode atrair esses movimentos, já que causas ambientais não aparecem com veemência nos protestos?

É um erro querer instrumentalizar esse movimento. Seria contraditório com tudo o que tenho dito. A juventude não é atraída por ninguém. Ela é que se atrai e acha ridículo pessoas cheias de cacoetes querendo parecer com eles. Aqueles que têm mais experiência, em lugar de quererem ser donos da ação, deveriam se colocar no lugar de mantenedores de utopias.

Que similaridades vê entre a Rede e esses movimentos?

A Rede tenta ajudar com a atualização do processo político. Nosso esforço está sendo tolhido agora no Congresso. Em vez de os partidos se repensarem, tentam nos sufocar. É muito difícil, porque a característica da estagnação é que as pessoas não veem que estão na estagnação.

A votação do projeto que inibe novos partidos pode ser protelada no Senado, para não dar tempo de questionamento de sua constitucionalidade?

É uma injustiça, mas espero que comecem a entender que o país está mudando. A democracia não é um valor pra ser usado quando algo me beneficia. A base do governo está fazendo com a gente o que tentaram fazer com o PT e a gente reclamava tanto.

Fonte: Folha de S. Paulo, 23/6/2013

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