quinta-feira, 4 de julho de 2013

O destino incerto da reforma política pela via plebiscitária

Todos os governantes perderam força política após os protestos de rua que varreram o país. A queda de aprovação da gestão da presidente Dilma Rousseff foi significativa, tanto pela magnitude - 27 pontos em três semanas, segundo o Datafolha - como por mostrar claramente, pela primeira vez, que a eleição presidencial de 2014 será muito mais disputada do que se previa e que o candidato governista à reeleição revelou-se, finalmente, vulnerável. Os governadores Geraldo Alckmin e Sérgio Cabral, além do prefeito paulistano Fernando Haddad, também tiveram seus prestígios severamente arranhados.

A erosão da popularidade dos governantes diante da insatisfação generalizada com os serviços públicos era até previsível, ainda que não na dimensão verificada. Para isso contribuiu o desencanto de boa parte da população com os políticos, cuja má fama contamina os Executivos, pelo jogo político praticado por ambos. A base governista da presidente Dilma, por exemplo, reúne também o que de pior existe na política brasileira, e o mesmo se pode dizer de vários Legislativos estaduais. Para ampliar a desilusão popular, foi vital a rápida aclimatação do PT, o único partido de massas no Congresso, aos péssimos usos e costumes da política nacional, que prometera erradicar.

A insatisfação com os políticos transformou-se, sob inspiração da presidente, primeiro na discussão sobre a necessidade de uma Assembleia Constituinte exclusiva para realizar uma reforma política. Diante de barreiras legais sérias e de oposição no Congresso, a presidente Dilma enviou ao Legislativo ideias sobre o conteúdo de um plebiscito sobre o assunto. São cinco sugestões - o Congresso pode mudá-las ou ignorá-las - de "balizas" para as mudanças. É fácil para um deputado ou senador, ou até mesmo para um leigo informado, montar sua lista de "balizas", assim como é difícil que qualquer uma delas se encaixe na forma plebiscito, propícia a escolhas binárias.

O financiamento de campanha (público ou privado) e o sistema de escolha (proporcional, distrital ou misto) são os mais óbvios candidatos a figurar na consulta. A eles o Planalto acrescentou a manutenção ou não de coligações partidárias nas eleições proporcionais, fim ou não de votações secretas no Congresso e a continuidade ou não da suplência de senador. Subjacente às duas primeiras estão, porém, outras questões que se abrem em leque e têm poder para desfigurar os resultados do plebiscito. É o caso da lista fechada, que sacramentaria as burocracias partidárias, ou do financiamento restrito a pessoas físicas, excluindo-se empresas, ou o financiamento público exclusivo. Sem contar a variedade de questões pertinentes ao tema. Deve-se ou não permitir as candidaturas avulsas e sob quais critérios? A exigência de pertencer a um partido e a ausência de cláusula de barreira permitem a proliferação de partidos "barrigas de aluguel", que montam suas barracas no Congresso à espera de quem dê o maior preço pelo seu voto. O voto deve ser obrigatório? Deve ser permitida reeleição do presidente?

A essa incompatibilidade entre a forma plebiscitária e conteúdos muito mais complexos do que ela suporta, outros obstáculos se agregam. Consultado, o Tribunal Superior Eleitoral disse ontem que necessita de 70 dias para levar um plebiscito aos eleitores. Ou seja, se o Congresso decidisse hoje fazê-lo, ele seria realizado em 9 de setembro. E o Congresso sequer começou a discutir o assunto, que conta com a oposição de vários deputados e senadores. De posse dos resultados, o Legislativo teria de votar as mudanças até 3 de outubro, para que fossem válidas já para as eleições de 2014.

Dessa forma, emergem duas opções insatisfatórias. Faz-se em velocidade recorde o que não se fez em anos e sai uma reforma política imprevisível, e não necessariamente melhor do que o sistema vigente, e que pode desagradar a todos. Ou o plebiscito fica para mais tarde e as mudanças valerão para 2018, contrariando-se a urgência do clamor das ruas, suposto motivo da convocação da consulta.

Todo ceticismo é pouco nesta questão. Políticos não votarão contra seus interesses e o sistema vigente não lhes é incômodo. A atual pressão das ruas, que tende a ser efêmera, provavelmente é insuficiente para originar uma reforma política que mereça esse nome, muito menos ainda com uma animada disputa pela Presidência por perto. A reforma pode ser, mais uma vez, uma enorme desconversa.

Fonte: Valor Econômico

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