terça-feira, 23 de julho de 2013

Papa arrasta multidão nas ruas e evita tom político no palácio

Apesar do susto com engarrafamento da comitiva no caminho da catedral, desfile no papamóvel foi tranquilo.

No Palácio Guanabara, Pontífice se limitou a falar de temas religiosos e da importância da fé católica, enquanto a presidente Dilma Rousseff vinculou a Jornada Mundial da Juventude aos desejos de mudança expressos pelos jovens nas ruas do país nas últimas semanas.

Recebido com festa por uma multidão de fiéis apaixonados, o Papa Francisco frustrou, em seu primeiro discurso em terras brasileiras, a expectativa de quem aguardava palavras de preocupações sociais com menções ao momento turbulento por que passa o país. No Palácio Guanabara, em cerimônia oficial de boas-vindas com a presidente Dilma Rousseff, o Pontífice se limitou a falar de temas religiosos e dos objetivos evangelizadores da visita. A presidente, por sua vez, fez questão de vincular a Jornada Mundial da Juventude aos desejos de mudança expressos pelos jovens nas ruas do país nas últimas semanas.

Curiosamente, ainda durante o voo para o Brasil, o Papa se queixou da crise econômica e alertou para o risco de se criar uma geração de jovens que nunca trabalhou. Ele fez um apelo para que os jovens e idosos não sejam "isolados do tecido social" o que seria uma injustiça. Logo após desembarcar, a comitiva ficou presa num engarrafamento, deixando a segurança estressada. Mais tarde, já no papamóvel, o passeio pelo Centro do Rio foi tranquilo e levou os fiéis ao delírio.

Discurso morno

Em seu primeiro pronunciamento no Brasil, Papa evita falar sobre onda de protestos

Luiz Ernesto Magalhães, Rodrigo Rötzsch

Recebido ontem com festa por uma multidão de fiéis apaixonados - antes mesmo do desfile em carro aberto que o protocolo oficial de sua visita previa -, o Papa Francisco frustrou, em seu primeiro discurso em terras brasileiras, a expectativa de quem aguardava algum tipo de menção ao turbulento momento pelo qual passa o país. No Palácio Guanabara, alvo de alguns dos mais violentos protestos da onda que tomou o Brasil nas últimas semanas, o líder da Igreja Católica se limitou a falar dos objetivos evangelizadores de sua visita, com algumas pitadas de preocupações sobre o futuro dos jovens em um mundo que não consegue se erguer de uma profunda crise econômica. Sobre a efervescência nas ruas do Brasil, porém, ele se calou.

- Aprendi que para ter acesso ao povo brasileiro é preciso ingressar pelo portal de seu imenso coração. Por isso, permitam-me que nesta hora eu possa bater delicadamente a essa porta. Peço licença para entrar e transcorrer essa semana com vocês. Não tenho ouro nem prata, mas trago o que de mais precioso me foi dado: Jesus Cristo. Venho em seu nome para alimentar a chama de amor fraterno que arde em cada coração. A paz de Cristo esteja com vocês - disse ele, no início de seu discurso de cerca de dez minutos, o último evento oficial de um dia que começou com uma longa viagem ao Brasil, seguida de um tumultuado deslocamento do aeroporto ao Centro, onde desfilou em carro aberto antes de seguir para o Palácio Guanabara.

O Papa falou depois da presidente Dilma Rousseff, única autoridade brasileira, das dezenas presentes na recepção, a discursar. Ela sim, por sua vez, fez questão de vincular a Jornada Mundial da Juventude aos desejos de mudança expressos pelos jovens nas ruas do país nas últimas semanas, que solaparam a popularidade de seu governo.

- Nós brasileiros, somos homens e mulheres de fé. A fé é parte indelével do espírito brasileiro. Falo da fé religiosa e falo também da crença que cada um de nós tem quanto à nossa capacidade de melhorar nossa vida. A crença de que o amanhã pode ser melhor que hoje. Esse foi o sentimento que moveu, por exemplo, nas últimas semanas, centenas de milhares de jovens a irem às ruas. Os jovens exigem respeito, ética e transparência. Querem que a política atenda aos seus interesses, aos interesses da população, e não seja território dos privilégios e das regalias. Desejam participar da construção de soluções para os problemas que os afetam. A juventude brasileira está engajada na luta legítima por uma nova sociedade, e este é um momento muito especial para a realização desta Jornada Mundial da Juventude - afirmou.

"Cristo bota fé nos jovens"

Dilma, porém, tentou passar a ideia de que a pressão das ruas era um desdobramento das conquistas sociais obtidas pelos dez anos de governos do PT.

- Democracia, como sabe Vossa Santidade, gera desejo de mais democracia. Inclusão social provoca cobrança de mais inclusão social. Qualidade de vida desperta anseio por mais qualidade de vida. Para nós, todos os avanços que nós conquistamos são só um começo. Nossa estratégia de desenvolvimento sempre vai exigir mais, tal como querem todos os brasileiros e todas as brasileiras. Exigem de nós a aceleração e o aprofundamento das mudanças que iniciamos há dez anos

O Papa, que leu em português claro um discurso escrito previamente, porém, concentrou-se na sua mensagem religiosa.

- Vim para encontrar os jovens que vieram de todo o mundo, atraídos pelos braços abertos do Cristo Redentor. Esses jovens provêm de diversos continentes, falam línguas diferentes, são portadores de variadas culturas, e, contanto, em Cristo encontram as respostas para as suas mais altas e comuns aspirações. Cristo abre espaço para eles, pois sabe que energia alguma pode ser mais potente que aquela que se desprende do coração dos jovens quando conquistados pela experiência de sua amizade. Cristo bota fé nos jovens, e lhes confia o futuro de sua própria causa. Também os jovens botam fé em Cristo.

Embora o forte esquema de segurança - que interditou o entorno do Palácio Guanabara horas antes de o Papa chegar ao Brasil - tenha garantido que elas não acontecessem na presença de Francisco, novas cenas de confronto entre polícia e manifestantes começaram em Laranjeiras antes mesmo de Francisco chegar ao Sumaré, onde ficará hospedado durante a semana. Isso mostra que os protestos continuarão na ordem do dia durante a Jornada, ainda que longe do discurso do Papa.

Aliança de combate à pobreza

Como já fizera em conversa com jornalistas no avião que o trouxe ao Brasil, o Papa usou parte de seu discurso para expressar preocupação com o futuro da juventude.

- A juventude é a janela pela qual o futuro entra no mundo, e por isso nos impõe grandes desafios. A nossa geração se mostrará à altura da promessa contida em cada jovem quando souber abrir-lhes espaço?

Dilma também falou da crise em seu discurso, dizendo compartilhar das posições do primeiro Papa latino-americano de resistência à "globalização da indiferença". Ela pediu que o Brasil e a Igreja unam seus esforços numa "ampla aliança global de combate à fome e à pobreza".

- Sabemos que a fome e a sede de justiça têm pressa. A crise econômica nos obriga a um novo senso de urgência para combater a desigualdade - afirmou a presidente.

Entre os dois discursos, uma quebra de protocolo para selar a aliança: Dilma deu dois beijinhos nas bochechas do Papa.

Antes de dar início à jornada, Francisco passará ainda por Aparecida (SP). Em seu discurso, porém, ele fez questão de falar a todo o povo brasileiro "da Amazônia aos Pampas, dos vilarejos às metrópoles"

- Ninguém se sinta excluído do abraço do Papa.

Fonte: O Globo

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