segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Contas públicas - Isenções elevam déficit da Previdência

A decisão do governo de ampliar isenções fiscais para diversos setores e mudar a faixa de enquadramento das empresas ao Simples Nacional está provocando aumento no rombo das contas da Previdência Social. O déficit já acumula R$ 48 bilhões entre janeiro e agosto, e supera a previsão inicial de R$ 46 bilhões para o fechamento do ano. Também pressionam as contas as desonerações da folha de pagamento e os gastos com aposentadorias especiais

Um rombo de R$ 48 bi

Com renúncias fiscais, déficit da previdência sobe 14% e ficará acima do previsto este ano

Cristiane Bonfanti, Geralda Doca

BRASÍLIA- As renúncias fiscais, principalmente de¬correntes dos benefícios concedidos às empresas do Simples Nacional e às entidades filantrópicas, estão pressionando as contas da Previdência Social e levaram o Ministério a revisar para cima o déficit projetado para o ano. Inicialmente estima¬do em R$ 46 bilhões, o descasamento entre recei¬tas e despesas do regime de aposentadoria deve¬rá superar R$ 48 bilhões em 2013.

No acumulado de janeiro a agosto, o déficit já chegou a R$ 48 bilhões, uma alta de 14,28% frente ao mesmo período do ano passado, segundo da¬dos obtidos com exclusividade pelo GLOBO. Em dezembro, o resultado costuma ser superavitário, devido ao recolhimento da contribuição previdenciária relativa ao 13º salário, mas ainda assim não será suficiente para reduzir o déficit do ano.

O Ministério da Previdência elevou a estimativa da renúncia relativa ao Simples Nacional, depois de constatar o impacto da ampliação das novas faixas de renda do regime simplificado de tributo, que desde o início do ano passado tem permitido a inclusão de mais empresas. Para este ano, a pro¬jeção passou de R$ 13,6 bilhões para R$ 16,1 bi¬lhões. Para 2014, a estimativa subiu de R$ 14,6 bi¬lhões para R$ 17,6 bilhões. Em 2015, deverá che-gar a R$ 19,5 bilhões.

Gastos de 6bi com aposentadorias especiais

A previsão de perda de arrecadação com as enti¬dades filantrópicas, por sua vez, subiu de R$ 8,7 bilhões para R$ 9,1 bilhões neste ano; e de R$ 9,5 bilhões para R$ 10 bilhões em 2014. Em 2015, de¬verá ficar em R$ 11,3 bilhões. Com o regime dife¬renciado para microempreendedores, a Previ¬dência terá uma perda estimada em R$ 415,9 mi¬lhões ainda neste ano, de R$ 460,8 milhões no ano que vem e de R$ 508 milhões em 2015.

Recentemente, o ministério detectou que o cres¬cimento dos acidentes de trânsito também está elevando o déficit e deu início a um cruzamento de informações com dados do DPVAT (seguro de danos pessoais pago em caso de acidentes). Os pe¬didos de indenizações às vítimas subiram de 150 mil em 2010 para 350 mil em 2012 e, neste ano, de¬verão atingir 500 mil.

O volume de auxílíos-doença emitido entre janeiro e agosto deste ano subiu 6,8%, de 1,301 milhão para 1,389 milhão. A alta nas aposenta¬dorias por invalidez foi de 1,7%, de 3,046 mi¬lhões para 3,099 milhões, mas não estão incluídos nesta conta os benefícios decorrentes de acidentes no trajeto de trabalho. Outra fonte de pressão na Previdência é o aumento dos gastos judiciais com aposentadorias especiais. Os de¬sembolsos com esse passivo já alcançaram R$ 6 bilhões entre janeiro e agosto, contra R$ 7,5 bi¬lhões em todo o ano passado.

O secretário de Previdência Social, Leonardo Rolim, disse que será preciso rever a legislação que trata das aposentadorias especiais. Segundo ele, as regras asseguram que, se a empresa ofere¬cer ao trabalhador equipamento de segurança adequado, ele não tem direito à aposentadoria especial. Mas esse não tem sido o entendimento da Justiça, principalmente no caso de ruídos.

— Será preciso especificar os tipos de equipa¬mentos que evitam a exposição dos trabalhado¬res aos agentes nocivos — disse Rolim.

Ele destacou que, apesar dos fatores de pressão, não há uma trajetória explosiva do déficit da Pre¬vidência. Afirmou ainda que a desoneração da folha não pode ser avaliada como um fator de pressão nas contas porque o Tesouro está fazen¬do os repasses devidos à Previdência.

Para o economista Marcelo Abi-Ramia Caeta¬no, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mesmo com a compensação nos cofres da Previdência, do ponto de vista das contas públi¬cas, há uma perda de arrecadação, o que vai afe¬tar o resultado do superávit fiscal primário (eco nomia para o pagamento dos juros da dívida pú¬blica). Não por acaso, o mercado estima que o su¬perávit deverá ficar perto de 2% no ano, abaixo dos 2,3% prometidos pelo governo.

— Quando junta tudo, a transferência não faz diferença. A arrecadação como um todo está di¬minuindo — disse o especialista, ressaltando que, com o envelhecimento da população, a despesa da Previdência certamente crescerá.

Desoneração da folha tem impacto

De acordo com dados da Receita Federal, de ja¬neiro a julho, o governo federal deixou de arre¬cadar R$ 43,7 bilhões com as desonerações. Com a folha de pagamentos, o valor passou de R$ 2,8 bilhões para R$ 7 bilhões na comparação com o mesmo período de 2012. Foi a segunda maior perda para o governo federal, atrás ape-nas da redução da Cide-Combustível.

Estudo dos economistas José Roberto Afonso e Gabriel Leal de Barros, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), mostra que, apenas com a desoneração da folha, a perda deve chegar a R$ 18,7 bilhões este ano e a R$34,8 bilhões em 2014. Barros explicou que, embora, com o passar do tempo, o Tesouro compense as perdas da Previdência, o benefício tributário contri¬bui para um déficit, mesmo que temporário.

A compensação não ocorre mensalmente, mas sim a cada quatro meses. Em 2012, a esti¬mativa de renúncia foi de R$ 3,7 bilhões. O go¬verno compensou R$ 1,8 bilhão em dezembro, deixando um resíduo de R$ 1,9 bilhão para este ano — afirmou o economista.

Ele considerou ainda que, ao ser anunciada, no fim de 2011, a política de desoneração da folha ti¬nha o objetivo de melhorar a competitividade de setores. Com o passar do tempo, a iniciativa foi ampliada para áreas que não sofriam a concor¬rência de produtos estrangeiros.

O objetivo final passou a ser o de manter o nível de emprego — disse.

Na avaliação do economista, no que diz respeito às desonerações como um todo, grande parte bus¬ca segurar a inflação e, portanto, não retomará aos cofres públicos na forma de outros tributos. Um exemplo é a redução da Cide-Combustível, que li¬derou a lista de reduções de tributos este ano e, até julho, custou R$ 7,5 bilhões aos cofres públicos.

— No ano passado, dos mais de R$ 45 bilhões em desoneração, só a Cide custou quase R$ 9 bi¬lhões. É uma medida para segurar a inflação e, claramente, não voltará em receita. No caso da redução do IPI, como essa estratégia já havia sido adotada em 2009, o resultado que ela poderia tra¬zer em termos de maior vendas de veículos não ocorreu, porque o setor já estava saturado.

Procurado, o Ministério da Fazenda preferiu não comentar o impacto das renúncias fiscais nos cofres da Previdência. •

Fonte: O Globo

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