quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Na véspera do julgamento, Dirceu desafia Supremo

Um dia antes da sessão em que o Supremo Tribunal Federal pode concluir o julgamento do mensalão, que começou há mais de um ano, o ex-ministro José Dirceu, condenado a dez anos e dez meses de prisão, desafiou o tribunal ao afirmar que a decisão dos ministros não será "o último capítulo” do caso e que vai recorrer a cortes internacionais para tentar anular a sentença. "Evidentemente que cometi muitos erros e sou responsável por muitos desses erros, mas não os de que me acusam”, alegou

Dirceu: decisão do Supremo não será ‘o último capítulo’

Na véspera de sessãô que pode concluir julgamento, petista desafia STF e ameaça ir a cortes internacionais

Tatiana Farah

SÃo PAULO- Um dia antes da sessão em que o Supremo Tribunal Federal (STF) pode finalizar o julgamento do mensalão, se os ministros decidirem que não vão sequer analisar os embargos infringentes, que podem mudar a sentença de 11 dos 25 réus, o ex-ministro José Dirceu, principal personagem do processo, desafiou ontem o tribunal e afirmou que a decisão do STF não será “o último capítulo” do caso.

O petista disse que vai pedir a revisão do processo e recorrer a cortes internacionais para tentar mudar a sentença que o condenou a dez anos e dez meses de prisão, pelos crimes de corrupção passiva e formação de quadrilha. Ele se disse o alvo principal “do ódio e da inveja de setores da elite do país” em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao governo petista. — Amanhã (hoje) ou quinta-feira, teremos mais um capítulo, talvez o último. Não o último, porque temos a revisão criminal depois, os recursos às cortes internacionais.

Eu vou continuar me defendendo, defendendo o PT e nossos governos. Mais do que isso: eu é que tenho que provar minha inocência — disse Dirceu. — Isso não vai acabar com a sentença definitiva do Supremo. Nós temos uma luta para travar ainda: a revisão criminal e as cortes internacionais. A declaração foi feita durante entrevista à Fundação Perseu Abramo, uma entidade petista.

O presidente da fundação, o economista Márcio Pochmann, foi o entrevistador do evento, que foi transmitido ao vivo pela internet. Por mais de uma hora, Pochmann conduziu a entrevista fazendo perguntas sobre economia e sobre o desempenho da esquerda no mundo e no Brasil.

Um entrevistador reverente

Apenas nos minutos finais, o economista abriu espaço para perguntas da audiência, e acabou perguntando a Dirceu como ele se sente depois de oito anos sendo “exposto em praça pública’ Com reverência, Pochmann o chamou de “um homem de projeto, um homem de partido e um homem de Estado’ — Acabei sendo escolhido para ser um pouco o símbolo de todo esse ressentimento, uma mágoa que existe, uma inveja, um ódio que procuram disseminar na sociedade contra nós. Porque não é natural — respondeu Dirceu. — Eu lutei esses oito anos.

Não parei de lutar um minuto. Fizeram tudo para eu não poder trabalhar, para eu viver como um exilado dentro do Brasil. Fui obrigado a ser consultor e advogado, que nunca foi a minha profissão. Para o ex-ministro, sua cassação como deputado federal, em 2005, “é uma nódoa, uma mancha na História da Câmara dos Deputados e a denúncia de sua participação no mensalão, recebida pelo Supremo, “foi inepta e vazia’ — Evidentemente que cometi muitos erros e sou responsável por muitos desses erros, mas não os de que me acusam.

Esses, jamais — disse Dirceu. As declarações do ex-ministro petista foram condenadas pela oposição. Vice-presidente do PSDB, o senador Cássio Cunha Lima classificou as críticas de Dirceu como “proselitismo eleitoral”: — A um ano das eleições, ele repete os mesmos discursos que o PT faz em toda campanha. Isso tudo não passa de arrogância e proselitismo eleitoral. Dirceu é um animal político e não deixa de ser até nessas horas em que o foco da atenção está em outro lugar, o resultado do julgamento do mensalão.

Cunha Lima disse reconhecer a combatividade do ex-ministro, mas apontou que o momento do Brasil é diferente do que foi descrito por Dirceu na entrevista a Pochmann. — Há um cenário de baixo crescimento, uma crise ética gravíssima, uma ineficiência de gestão — disse. Condenado a dez anos e dez meses de cadeia e a pagamento de R$ 676 mil de multa pelos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha, Dirceu ainda se permitiu falar de política na entrevista, como se ainda tivesse papel importante no governo e no PT.

Ao falar sobre a esquerda, Dirceu negou que o PT seja “refém do conservadorismo da coalizão” que comanda o país. Nesse momento, ignorou o PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer, ao nomear o núcleo da coalizão. — Nosso núcleo tem de ser, deve ser PT, PCdoB, PSB e o PDT. O núcleo.

Porque é uma coalizão de centro-esquerda. As coalizões não podem ser dirigidas pelas forças que são mais conservadoras. o presidente nacional do PMDB, o senador Valdir Raupp (RO), minimizou a omissão do partido entre aqueles que Dirceu considera integrantes do núcleo central da campanha petista. — Ele não citou o PMDB porque a aliança com o PT em 2014 já está implícita. Em todas as conversas que temos mantido com Lula, Duma e Rui Falcão ( presidente nacional do PT), isso não tem sido motivo de discussão.

Estamos acertando, neste momento, apenas as alianças regionais — disse Raupp, negando ter sabido de qualquer articulação de Dirceu em oposição à aliança do PMDB com o PT. Sem ser contestado por Pochmann em nenhum momento, o petista não poupou críticas aos adversários do PT: — A direita brasileira está sem discurso neste momento.

Está com um discurso do passado. Não consegue pensar o Brasil como ele é agora. Tem, sim, complexo de vira-latas. Falta a ela esse sentimento nacional — disse Dirceu, afirmando que a coalizão em torno do PSDB não vê a importância do país na política regional e que também não tem “sentimento popular”: — É avessa ao povo, é elitista. O governo (do ex- presidente Fernando Henrique) não fez a revolução social que fizemos nos últimos 11 anos.

Críticas ao baixo crescimento

Dirceu afirmou que o ex-presidente Lula assumiu o governo com um país em crise e com grandes dívidas externa e interna, sem reservas internacionais, e com alto desemprego, e “ainda ameaça de privatização da Petrobras e dos bancos públicos’ Para ele, o “Estado não estava à altura das necessidades do país’ — Mudamos isso — disse o ex-ministro, afirmando que o PT proporcionou uma “revolução social” no Brasil, com melhorias, desenvolvimento, programas sociais e geração de emprego.

Apesar dos elogios, Dirceu admitiu que o baixo crescimento da economia no governo Dilma não é resultado apenas de fatores externos, como a insegurança em relação à cotação do dólar. Segundo ele, “seria falso” afirmar isso. — Mas estamos enfrentando esse problema — afirmou. Dirceu defendeu a reforma política e disse que o “grito das ruas” pede o plebiscito, ideia aposentada pela presidente Dilma depois da má repercussão no Congresso, até mesmo entre políticos aliados do governo.

Para o ex-ministro, apesar de avanços do governo, a população pede novos direitos sociais. Neste ponto, Dirceu preferiu não lembrar que os manifestantes também pediram a prisão dos mensaleiros.

(Colaboroa Thiago Herdy)

Fonte: O Globo

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