sábado, 14 de setembro de 2013

‘Novo julgamento é um desastre de dimensão colossal para o Supremo’

Para o filósofo Roberto Romano, professor de ética da Unicamp, possível reconhecimento dos embargos dos réus do mensalão ‘faz o STF perder a fé pública, ainda que injustamente’

Tatiana Farah

SÃO PAULO - O Supremo Tribunal Federal (STF) vive um momento crucial, em que estão em jogo a fé pública e a garantia de defesa de direitos não só dos réus do mensalão, mas dos cidadãos comuns. Esta é a opinião do filósofo e professor de ética da Unicamp Roberto Romano. Para o especialista, é dado como certo que o “voto de minerva” do ministro Celso de Mello, na próxima semana, será favorável aos embargos infringentes pedidos pela defesa, o que vai propiciar novos julgamentos dos crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro de doze réus.

— O ministro Celso de Mello já mostrou cabalmente que vai reconhecer os embargos. A menos que ocorra quase um milagre, é certo que isso vai acontecer. E é um desastre de dimensão colossal — disse Romano nesta sexta-feira, em entrevista por telefone ao GLOBO.

O especialista criticou a afirmação do ministro Luís Roberto Barroso, que afirmou não estar “subordinado à multidão”, mas à Constituição. Ele lembrou que “a opinião pública é um dos integrantes da sociedade democrática”:

— A fala do ministro Barroso foi desastrada e desastrosa. Ninguém imagina que o juiz não deva ser independente, mas não é possível que ele não deva prestar atenção ao que o povo está pedindo. O juiz pode não se influenciar, mas não pode ignorar o que faz com que o povo chegue a esse juízo.

Na avaliação de Romano, o Supremo criou um problema ao não ter formado decisão sobre a validade de aplicação dos embargos infringentes no órgão antes do julgamento do mensalão. Esse tipo de embargo é utilizado nos tribunais quando as decisões são “apertadas” e as partes se veem no direito de pedir uma nova análise por um conjunto maior de juízes. A polêmica em torno do STF é que os casos são julgados pelo plenário, com todos os ministros, o que, em tese, tornaria a decisão definitiva.

— Dizer que o ministro Celso de Mello vai acender o forno da pizza é uma injustiça com ele, com sua história e com o que ele já fez neste julgamento. A questão dos embargos infringentes já deveria ter sido decidida pelo Supremo antes de chegar a esse momento. Agora, estão decidindo em cima de um vulcão.

Romano considerou que a decisão favorável aos réus do mensalão será “uma pá de cal” no processo de recuperação da imagem do Supremo, que teria sido alavancada com a condenação e as pesadas penas imputadas no processo. Em sua opinião, o STF “não tem uma história edificante” e é marcado mais por “momentos de baixa, de perda de credibilidade, de fé pública”.

— Essa situação aumenta a desconfiança da população no Estado e não só no STF. Qualquer que seja a decisão, ela será desastrosa. Por que, se o recurso for negado, cria-se uma dúvida sobre o direito de defesa. Se bem que, no julgamento, foi dada a garantia da plena defesa. O colegiado se dividiu em muitos momentos e houve debates tremendos.

Para o cientista político, há uma leitura equivocada de que o reconhecimento dos embargos seria a absolvição plena dos réus. Os embargos dizem respeito a casos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro em que o réu recebeu quatro votos a seu favor. No caso do ex-ministro José Dirceu, condenado a dez anos e dez meses por corrupção e formação de quadrilha, o embargo trata da condenação de dois anos e onze meses por quadrilha. Mas, caso ele seja absolvido desse crime, vai deixar de cumprir a pena em regime fechado para cumpri-la em semiaberto.

— O Supremo perde a fé pública, ainda que injustamente. É importante dizer que o fato de aceitarem os embargos infringentes não quer dizer que essas pessoas serão absolvidas. Há um excesso de retórica, uma polarização, que não beneficia o país. Essa dramatização só piora tudo — disse Romano.

Romano disse temer que o Brasil passe pelo mesmo processo que ele considerou ocorrer na América do Sul:

— Você vê uma situação de desimportância do Judiciário, de quase um mensageiro do Executivo, na América do Sul, em países como Peru, Bolívia, Venezuela. A tendência no Brasil é reforçar isso. Até porque aqui existe uma hegemonia inconteste do Executivo sobre os dois outros poderes.

Fonte: O Globo

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