sábado, 7 de setembro de 2013

Salame em fatias - Denise Rothenburg

Na semana em que o Congresso deu todos os sinais de que não quer aprovar o fim do voto secreto, foi possível atualizar um dicionário informal da vida pública e perceber que o número mágico de 300 picaretas continua mais atual do que nunca

Os últimos lances da política brasileira apresentaram novos verbetes a um possível Dicionário informal da vida pública. Somos especialistas em criar neologismos para atos do poder. Poucas vezes, porém, houve tamanha produção nos Três Poderes. Do “mandato salame” ao “projeto fatiado”, passando pela “Papuda Spa” e o pelo “Semiaberto VIP”, terminamos a semana com novas expressões para atos de autoridades, batizadas até mesmo pelos próprios mandatários.

O ponto inicial foi a absolvição do deputado presidiário Natan Donadon (sem partido-RO). Com a ida do parlamentar ao Congresso no camburão, o eleitor ficou com a sensação de que tudo é possível. Se perdemos mais um pouco da confiança nos políticos, também ficamos envergonhados, como se estivéssemos menores. Donadon e a turma responsável pela esculhambação na noite de terça-feira da semana passada tentaram tirar um pouco da nossa dignidade. Restam as piadas.

A partir de Donadon, todos os movimentos do Congresso foram desencontrados, o que trataremos a seguir. Antes, em meio à confusão do voto secreto, vieram as referências ao “mandato salame” — por conta da possibilidade de um parlamentar preso no semiaberto trabalhar durante o dia no Legislativo — e às penitenciárias diferenciadas para políticos, como no caso da Papuda e da reforma do Centro de Progressão Penitenciária (CPP), conforme revelou este Correio na última segunda-feira.

Conta confirmada
De volta ao sigilo do voto parlamentar, ficou mais do que evidente a falta de vontade do Congresso em aprovar o projeto. Sim, a cada dia está mais clara a intransigência do parlamento em abandonar os privilégios e o corporativismo. Ao absolver Donadon, os políticos mostraram que, além de incapazes em punir corruptos, gostam do sigilo do voto e detestam transparência. Com algumas exceções, chegamos aos 300 picaretas. Uma conta confirmada por Donadon a partir da solidariedade recebida.

É simples chegar a tal número. Basta somar os que votaram a favor do deputado presidiário (131) com as abstenções (41) e as faltas (108). Temos 280 deputados que poderiam ter mudado a história daquela quarta-feira, dia 28, mas, por algum motivo, ajudaram Donadon. O problema é que a falta de sensibilidade para os clamores da rua continuou nesta semana, com a falsa vitória da aprovação do voto secreto na Câmara, que decidiu votar o texto para dar uma “resposta” à sociedade e apenas expôs a dificuldade do projeto ser aprovado de forma definitiva.

A polêmica sobre os projetos em tramitação no Senado e na Câmara é falsa, como também é falsa a tentativa de fatiar o projeto aprovado pelos deputados para conseguir incluir o voto secreto apenas para a cassação. A falsa guerra apenas favorece aqueles contrários ao texto: a maioria.

Desânimo
Na semana em que o Congresso deu todos os sinais de que não quer aprovar o fim do voto secreto, foi possível atualizar um dicionário informal da vida pública e perceber que o número mágico de 300 picaretas continua mais atual do que nunca. Nada pode ser mais desanimador.

Máscaras
A ação de governos estaduais de tentar proibir o uso de máscaras nos protestos é uma daquelas coisas que as autoridades se arrependem depois. Pelo simples fato de não conseguirem impedir manifestações de encapuzados, principalmente quando artistas como Caetano defendem as máscaras. Ficam, assim, com o mico. Resta, entretanto, uma pergunta: se defendemos que os parlamentares mostrem a cara, por que os manifestantes a favor da transparência e contra a violência querem esconder o rosto?

Outra coisa
Durante o pronunciamento ontem na tevê, a presidente Dilma Rousseff fez a defesa do Mais Médicos, que os assessores palacianos tentam emplacar como a marca da petista. Mas ela precisava mesmo estocar a oposição com os famosos “falharam os que acreditaram...” e com a “capa de pessimismo”?

Fonte: Correio Braziliense

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