quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A mão peluda da Censura - Elio Gaspari

Marinus Marsico, procurador do Tribunal de Contas da União, recomendou à Agência Nacional de Cinema que a produtora do filme "O vilão da República", cuja trama contará a ação do comissário fosé Dirceu na Casa Civil da Presidência, procure "evitar que a obra constitua em apologia e culto à personalidade" Como se faz isso, não se sabe. O doutor não quer um filme apologético e argumenta que os recursos públicos captados pela Lei Rouanet não podem ofender os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade. Como se faz um filme sobre temas atuais com essas condicionantes, também não se sabe. Em 1982 a ditadura demitiu o atual ministro Celso Amorim da presidência da Embrafilme por ter financiado o filme "Pra Frente Brasil" com suas cenas de tortura.

À primeira vista, Marinus Marsico teria um viés antipetista. Falso. Ele é um defensor da Bolsa da Viúva e o uso da Lei Rouanet como alavanca marqueteira é uma preocupação justa, Ele já pediu que a filha de Fernando Henrique Cardoso devolvesse salários recebidos como funcionária de Senado sem comparecer à repartição. Batalha contra servidores que faturam acima da teto legal e contra as indenizações milionárias da Bolsa Ditadura. Sua recomendação à Ancine é apenas mais um episódio de um surto de obstáculos à liberdade de expressão.

Neste ano já se deram os seguintes casos: o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná proibiu noticias sobre um processo que tramitava no Conselho Nacional de Justiça; o cantor Roberto Carlos pediu a retirada das livrarias de uma obra sobre a Jovem Guarda, que lhe deu fama cantando "quero que você me aqueça neste inverno e que tudo o mais vá pro inferno" uma juíza proibiu que a editora americana Harper Collins venda no Brasil a tradução do livro "Gilded Lily" ("A Lily Dourada"), no qual a jornalista canadense Isabel Vincent conta a história da bilionária Lily Safra e de seus quatro matrimônios, dois dos quais terminaram com a morte trágica dos maridos (o último o STF consagrou a liberdade de expressão, mas, como as sentenças do mensalão, ela continua no papel foi o banqueiro Edmond Safra, asfixiado em 1999 durante um incêndio em seu apartamento de Mônaco). A proibição estende-se à comercialização de uma edição em inglês que está na rede desde 2010 e custa US$ 9,78. Ao mandar ao arquivo a Lei de Imprensa da ditadura; o Supremo Tribunal Federal poderia ter construído um novo arcabouço para defender a liberdade de expressão. Infelizmente, ficou no papel de um Judiciário confuso, ineficiente e ineficaz, parafraseando-se o seu presidente.

Manipular ou calar a voz dos outros é um velho instinto do gênero humano, variando apenas na forma como isso é feito. O procurador Marsico quer que o "O vilão da República" não resulte em "apologia e culto à personalidade" do comissário Dirceu. Faz isso dentro das regras do Direito e das normas de um regime democrático.

No dia 11 de setembro de 1973, dentro das regras na censura e das normas da ditadura, a Polícia Federal mandou um aviso à imprensa:

"De ordem superior, recomendo parcimônia nas notícias relativas aos fatos ocorridos no Chile, deposição do presidente Allende e evolução dos acontecimentos ocorridos naquele país"

Elio Gaspari é jornalista

Fonte: O Globo

Nenhum comentário: