sábado, 19 de outubro de 2013

Rio, passado e futuro - Merval Pereira

No momento em que a aliança do PMDB com o PT no Estado do Rio está em perigo devido a divergências sobre o candidato à sucessão do governador Sérgio Cabral, acaba de ser publicado na “Dados’ a principal revista de ciências sociais do país, “O Rio de Janeiro e o Estado nacional artigo dos cientistas políticos Octavio Amorim Neto, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas, e Fabiano Santos, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que analisa a influência do Rio na política nacional entre 1946 e 2010, com ênfase nos fatores que explicam o “impressionante declínio” da participação do estado no governo federal a partir de 1969, confirmado nos 20 anos seguintes ao retorno de eleições multipartidárias, em 1982.

Os autores atribuem à chegada da esquerda ao poder, a partir de 2002, a aproximação do governo estadual com o federal, principalmente a partir da eleição de Cabral em 2006, o que resultou na “relativa recuperação política do Rio”. Segundo eles, entre 1946 e 1964, o Rio de Janeiro logrou exportar sua política para o plano nacional porque a balança de poder entre o governo central, por um lado, e o Congresso e a Federação, por outro, pendia para estes.

Durante o regime autoritário, o Executivo, “como era de se esperar”, concentrou amplas prerrogativas, passando a ter recursos para punir o Rio por sua rebeldia. Aqui vigorava a mais forte oposição do país, com o MDB, oriundo basicamente do PTB, pela esquerda e os correligionários de Carlos Lacerda pela direita. Apenas técnicos com origem estadual politicamente irrelevante viriam a participar dos gabinetes presidenciais entre 1969 e 1979.

A participação política do Rio de Janeiro no governo federal foi praticamente nula a partir de meados dos anos 1970 até boa parte do período relativo à transição e consolidação democrática, ressaltam. Já no começo do século XXI, a balança continuou a oscilar agora em bases democráticas, para o lado do governo central, forçando cariocas e fluminenses a ter que importar a política daquele para ter novamente um papel político nacional relevante.

De maneira complementar, o esvaziamento econômico por que passou o Rio desde 1950 e a transferência dos ativos administrativos da capital para Brasília em 1960 também devem ser considerados fatores relevantes no declínio político da região, sublinham os autores, “uma vez que dinamismo econômico e poder político costumam andar de mãos dadas”. A fusão do Estado da Guanabara com o Rio de Janeiro, no governo Geisel, é vista pelos autores como um instrumento para o amesquinhamento político do estado.

A perda de influência política no âmbito nacional decorrente de esforços bem-sucedidos do regime militar certamente contribuiu para acentuar o declínio econômico. O estudo ressalta que, além disso, a implantação do brizolismo no estado a partir de 1983 acabou por ampliar mais ainda o fosso entre o Rio de Janeiro e o governo federal, “gerando um ciclo vicioso entre decadência econômica e desentrosamento político, agravado pela crise inflacionária da década de 1980 e do começo da década seguinte”.

Ao que tudo indica, analisam os autores, este ciclo parece ter chegado ao fim a partir de 2007, quando o estado e o Executivo federal voltaram a se alinhar politicamente, “criando um ciclo virtuoso entre cooperação intergovernamental e revitalização econômica”. Assim, se durante o período 1946-1964 a influência política do Rio de Janeiro decorreu da capacidade de exportar seu padrão de competição partidária para o plano nacional, sob o atual regime representativo, o Rio recupera influência após decidir importar os padrões de alinhamento partidário estabelecidos pelo governo central.

A possibilidade de uma dissidência do PMDB-RJ poria em xeque essa recuperação política e econômica, caso o PT continue à frente do Executivo nacional. Mas pode sinalizar também o desgaste do modelo petista instituído no país a partir de 2002.

Fonte: O Globo

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