domingo, 3 de novembro de 2013

O tempo que resta - Tereza Cruvinel

No ocaso da legislatura, com a demanda do Executivo reduzida, o Congresso tem sua última chance de buscar a sintonia perdida com a parcela frustrada da sociedade civil

Em julho, os líderes da coalizão governista queixaram-se à presidente Dilma da inundação permanente do Congresso por medidas provisórias que trancam a pauta e impedem qualquer outro tipo de deliberação. Ela prometeu usar menos MPs e mais projetos de lei. De fato, editou apenas uma MP em cada um dos últimos três meses. Se a dieta for mantida, o Congresso poderá agora montar uma agenda mais autônoma, aproveitando o que lhe resta da legislatura para buscar a sintonia perdida com a parcela da sociedade civil frustrada com a política.

Há anos ouve-se nas duas Casas, e especialmente no chamado baixo clero, a ladainha de que os projetos dos próprios parlamentares não são votados porque o chicote do governo não deixa. Desde que não tratem de instituir o dia do cortador de banana e coisas assim, os mais relevantes podem agora ser pautados. Até porque, com o fim da legislatura, vão todos para o arquivo. O critério para a seleção devia dar prioridade, obviamente, aos que respondam à manifesta frustração da cidadania com os políticos e o sistema, corrigindo distorções ou aprimorando o exercício da representação. Um bom exemplo, a emenda que acaba com o voto secreto nas cassações, que o Senado deve aprovar conclusivamente esta semana. Mas vai muito além desse ponto a pauta institucional que poderia ser construída para ser tocada neste suspiro final da legislatura, depois que suas excelências aprovarem o inescapável e perigoso orçamento impositivo das emendas orçamentárias.

Não só para reduzir a tensão com os aliados Dilma vai aliviar sua demanda parlamentar, seja através de MPs seja de projetos de lei com urgência constitucional. O fato é que, desde o dia 5 passado, entramos para valer no chamado período eleitoral. Nesta altura, tendo apenas 11 meses de gestão pela frente, os governos concentram-se na rotina administrativa, na conclusão de projetos e na entrega de obras. É tarde para invenções, lançamentos e iniciativas. A própria Dilma admitiu isso aos líderes: dificilmente agora ela enviará ao Congresso MPs que precisem ser aprovadas como casos de vida ou morte, como a dos Portos ou a do Mais Médicos. As duas últimas, por exemplo, uma de 3 de setembro, outra de 25 de outubro, tratam de créditos suplementares, uma rotina na execução do orçamento.

Com a pauta mais livre, o Congresso poderá também resgatar algumas faturas que está devendo, concluindo a aprovação de projetos inconclusos que ficaram pelo caminho. É o caso do projeto de regulamentação dos direitos dos trabalhadores domésticos. Depois do louvor geral à aprovação da emenda constitucional que acabou com uma herança escravista, a regulamentação aprovada pelo Senado parou na Câmara. E, com isso, o FGTS das domésticas continua no papel.

“Nós temos, de fato, uma excelente oportunidade de fazer uma agenda própria, mas temos que evitar a tentação dos malabarismos, aprovando, nesta altura do campeonato, a menos de um ano da eleição, propostas como essa da autonomia do Banco Central. Certas coisas não podem ser feitas em fim de governo”, diz o vice-presidente do Senado, Jorge Viana. Dilma fez chegar ao presidente do Senado, Renan Calheiros, sua contrariedade com a possível votação do projeto, de autoria do senador Francisco Dornelles. Ele respondeu que não fará um cavalo de batalha por isso. Mas tem ele, como seus pares das duas Casas, o desafio de apresentar agora à sociedade uma agenda do próprio Congresso. Acabou a desculpa de que o governo não deixa.

Raça e gênero
A baixa representação política de negros, índios e mulheres faz parte da nódoa indelével do racismo e do preconceito de gênero que só recentemente começaram a ser esmaecidas pelas políticas de cotas, com resultados positivos no acesso ao ensino superior e a algumas carreiras de Estado. Mas o Congresso, diria Cláudio Lembo, continua dominado pela “elite branca”. Embora a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara tenha autorizado sua tramitação, alguns juristas já apontaram inconstitucionalidade na proposta de emenda constitucional dos deputados petistas João Paulo Cunha e Luiz Alberto, fixando uma cota de cadeiras para candidatos negros nos legislativos do país. Eles comporiam uma lista na qual cada eleitor votaria pela segunda vez.

Esse debate vai longe, e como está apenas começando, vale pontuar: qualquer medida corretiva terá de colocar no mesmo patamar a vergonhosa subrepresentação das mulheres. Somos maioria na população e no eleitorado, mas as deputadas somam apenas 8,9% e as senadoras, 12,3%. Diferentemente do que está sendo proposto para os negros, a cota existente para mulheres não é de cadeiras, mas de 30% das candidaturas de cada partido. Entretanto, sem acesso aos recursos, inclusive financeiros, para disputar com os figurões, surtiram pouco efeito. Na Câmara, a fração feminina passou de 5,6%, em 1998, para 8,9%, em 2010.

Mas só agora?
Os grupos violentos e radicais ajudaram a murchar as manifestações de junho. Causaram enormes prejuízos materiais ao patrimônio público e privado. Respondendo apenas com a repressão policial, o Estado ajudou a fermentá-los. Dois jovens de 17 anos perderam a vida e um oficial da PM foi espancado. Coincidência ou não, só depois da revelação de que 95% da população reprovam o vandalismo é que os entes federados resolveram se unir para combater a insurgência mascarada, que, mesmo tendo motivações reais e justas, ultrapassa a fronteira das liberdades democráticas, que foram conquistadas para todos. Não só para os revoltados.

Fonte: Correio Braziliense

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