sábado, 30 de novembro de 2013

Un café, s’il vous plaît – Ivan Alves Filho

Quando criança, eu ouvia, fascinado, meu pai contar suas aventuras pelas Guianas – “ eu conheci as três Guianas”, costumava repetir. Ou seja, a Guiana francesa, a inglesa e a holandesa. Hoje, isso mudou em parte. Mas não vem muito ao caso. O que retive era essa informação dada por meu pai: “o nosso café vem de lá”. Fiquei interessadíssimo naquele café do fundo da floresta amazônica, daquele café meio índio. Só mais tarde é que fui saber a história completa. E ela é fascinante. Se o leitor quiser me acompanhar, vamos a ela.

Originário da distante Etiópia, no centro da África, o café conquistou o Ocidente europeu aos poucos, pelas beiradas. A História ensina que isso se deu já no final do século XVI. O fato de o café ser uma bebida que contribui para socializar o indivíduo – e o homem tem por vocação viver junto com o seu semelhante – talvez explique a razão do seu sucesso. é bem verdade que alguns - ou algumas - amarraram a cara para o café. "Racine passera comme le café", palpitou a sempre séria Madame Sévigné. Palpite infeliz - e duplo. Seja como for, freqüentadas por artistas, sisudos burgueses ou simples homens do povo, as maisons à boire de caffé - como se chamavam antigamente na França as casas de café – eram verdadeiros pontos de encontro. Espaços públicos, democráticos, rompiam com os ambientes fechados dos lares burgueses convencionais. Que o café não era de deixar ninguém de pires na mão.

Em Paris, foi o cidadão Francisco Procópio o primeiro a ter a idéia de abrir um café. Isso, em 1680. Faz algum tempo. Transformado em restaurante, o café existe até hoje, no Quartier Latin. Escritores como Racine, Voltaire, La Fontaine e, também, Rousseau e Montesquieu compareciam regularmente ao Procope, como é conhecido ainda hoje o restaurante. O café mais parecia uma academia de letras. E das boas.

Cidade boêmia, Paris é rica em cafés célebres. Les Deux Magots, Le Café de Flore (onde pontificava Apollinaire e, depois, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir), alguém já disse, que o parisiense “vai ao café para ir ao café”. E estamos conversados.

O período áureo do café na França se produziu no início do século XX: há nada mais nada menos do que 500 mil cafés – isso mesmo! – em todo o país em 1900. Havia cafés de todos os tipos e gostos. Do bar da esquina ao café-concerto.

O Brasil deve à França, indiretamente, a introdução do café em seu território. A história não deixa de ser pitoresca. Ocorre que a França introduziu sementes de café na Guiana, na fronteira com o Brasil, atraindo com isso a atenção das autoridades coloniais luso-brasileiras. De olho grande no café, essas autoridades ordenaram ao militar brasileiro Palheta, enviado em missão oficial a Caiena, capital da Guiana, que “entrasse em quintal ou jardim com roça onde houver café (e) com pretexto de provar algum fruto, esconder alguns grãos com todo o disfarce e toda a cautela”. Assinava a ordem o Governador do Maranhão, João Maia da Gama.

Palheta se saiu bem nessa história toda. Diz a lenda que surrupiou os grãos de café do quintal da casa do próprio Governador francês, cuja mulher teria se apaixonado perdidamente pelo arisco brasileiro. Pelo visto, Palheta andou degustando alguns frutos mais.

Seja como for, Palheta deve ter tomado depois um bom cafezinho – ou terá sido “un petit café?” – para comemorar o gesto tão singular. E ainda virou marca de café. Para que mais?

Ivan Alves Filho é historiador e jornalista

Nenhum comentário: