sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A alegria de viver em 2014 - Maria Cristina Fernandes

A liderança legitima sacrifícios; Giannetti diz o que pensa

Até conhecê-lo, a ex-senadora Marina Silva sentia vertigem ao debater economia. Até conhecê-la, o economista Eduardo Giannetti da Fonseca nunca havia declarado seu voto. Foram apresentados um ao outro em 2009 pelo empresário Guilherme Leal, da Natura, que, no ano seguinte, sairia de vice na chapa da então candidata pelo PV à Presidência da República.

De lá pra cá, é a Giannetti que Marina se remete quando é apertada no debate econômico. E é na sua candidata de 2010 que o economista pensa quando fala nas eleições do próximo ano. Não perdeu as esperanças de vê-la na disputa mesmo depois de seu ingresso no PSB.

Apesar de tamanha afinidade, rejeita a condição de porta-voz econômico de Marina. Giannetti não era filiado ao PV, nem aderiu ao PSB. Desde que deixou o departamento de Economia da Universidade de São Paulo e depois, o do Insper, vive de palestras e dos (oito) livros publicados.

Se não fala por sua candidata, dirá por Eduardo Campos, o governador de Pernambuco que sonha em ter Marina como vice. Giannetti Nunca sentou para discutir economia com Campos e reconhece que pode ser por ele convencido da inviabilidade política do que pensa.

Na última vez que estiveram juntos, duas semanas atrás, reuniram-se a militantes do Rede numa manhã de domingo em Brasília. É gente que chama Giannetti de neoliberal e a 'carta ao povo brasileiro' de 'carta aos banqueiros'.

Disse-lhes que se considera um 'liberal clássico' cujo autor favorito é Adam Smith. E lançou-lhes o axioma de que a raiz da divergência na economia está no diagnóstico, na meta ou nos meios para alcançá-la.

Giannetti parece acreditar que, ao conquistar a plateia para os dois primeiros, possa ajudar a política no terceiro.

O diagnóstico é rico em estatísticas na ponta da língua embaladas em suave indignação com o que chama de Estado tutelador. A ver:

Se a estabilidade da economia é um valor para todos, é grave o momento em que o governo voltou a administrar os preços - de combustível, energia e transporte.

A Constituição agigantou o Estado. De sua promulgação até hoje a arrecadação passou de 24% para 36% do PIB sem que a taxa de investimento se expandisse para além dos 3%.

No mesmo período 1.200 cidades foram criadas gerando 230 mil funcionários em câmaras municipais. O vereador custa mais pelo que faz do que pelo que recebe.

A política que reajusta o salário mínimo é absurda. E se o PIB cair 7% como no México? Os brasileiros que têm quatro anos de escolaridade, não estão no Bolsa Família nem no Prouni são a nova camada de excluídos.

Quem pode pagar por ensino básico, fundamental e médio também pode custear o ensino superior. A universidade pública é o corolário do Estado concentrador de renda.

Os brasileiros em idade de trabalhar em breve vão deixar de ser maioria e a pirâmide etária do país vai virar um cogumelo. Para sustentar velhos e crianças a economia precisa girar com mais produtividade.

Para se produzir mais é preciso ter um investimento mais eficiente e gente mais bem formada. Em 2007 0,5% do PIB estava nos bancos públicos. Hoje a fatia aumentou para 9,2%. A bolsa-bndes não é eficiente e o analfabetismo funcional de egressos do ensino superior chega a 35%.

O diagnóstico e as metas traçadas por Giannotti sacodem, de uma penada, universitários, a quase totalidade das empresas brasileiras dependentes de empréstimos oficiais, beneficiários da Previdência e um mar de funcionários públicos de todos os cantos da Federação.

Pratica uma espécie de haraquiri político, como ele mesmo define sua pregação. Diz que o papel da liderança política é legitimar os sacrifícios. O dele é dizer o que pensa. E nisso em muito diverge da principal liderança política do partido ao qual Marina está filiada.

Giannetti fia-se na descrição que lhe foi feita de Campos por Jorge Gerdau Johannpeter de Campos - o governante mais talentoso que já conheceu.

É preciso elevar as apostas no talento do governador de Pernambuco para se acreditar na sua capacidade de conciliar o exercício do poder com as ideias de Giannetti.

Eduardo Campos grangeia simpatizantes na base governista com o discurso pró-federação que abrange até a mudança no indexador da dívida, regalo desse Estado mastodôntico de que se queixa Giannetti.

A reforma administrativa, recentemente promovida em Pernambuco, foi capaz de cortar sete secretarias sem demitir um único funcionário.

Campos sempre resistiu a nominar economistas que o traduzam. Por ter o diploma mas, principalmente, por ser político. Nunca escondeu, no entanto, suas afinidades com Luciano Coutinho, presidente do BNDES e principal artífice da política das empresas campeãs nacionais.

Giannetti tem ciência de que os políticos não podem comprar todas as brigas ao mesmo tempo. Mas teme que a campanha eleitoral tergiverse temas como a política de valorização do salário mínimo e a reforma da Previdência.

Diz que as manifestações de 2013, que podem se repetir no ano que se aproxima, trouxeram à superfície uma nova classe média em busca de credenciais. E vê confluência entre essas credenciais e a necessidade de o país aumentar sua produtividade.

No Chile, o resultado da estudantada na rua foi Michelle Bachelet de volta à Presidência para mudar a Previdência e o ensino superior, ambos retirados do guarda-chuva estatal nos anos Pinochet.

Num dos seus textos mais recentes sobre a cultura brasileira no século 21, Giannetti fala do modelo sul-americano de colonização em que o Estado precedeu a nação e rejeita receitas de desenvolvimento do hemisfério norte. Diz que o Brasil não está preparado para sacrificar sua alegria de viver em nome da acumulação de capital. É aí que sua rota se cruza com a de Marina. Juntos, ainda buscam pontos de intersecção com Campos e, principalmente, com quem ainda precisa de melhores serviços de saúde, educação e transporte para se alegrar em 2014.

Fonte: Valor Econômico

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