sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Barroso empurra a História - Merval Pereira

O ministro Luís Roberto Barroso, ao fazer um balanço do ano para o site Consultor Jurídico, defendeu o fim do financiamento eleitoral por empresas, matéria em julgamento no STF, já com quatro votos a favor, inclusive o seu.

Mesmo admitindo que o tema “não é simples e situa-se na fronteira movediça e conturbada que separa, de um lado, a interpretação constitucional e, de outro, as escolhas políticas”, ele defende que a proibição terá o “efeito positivo (...) de fazer com que a discussão sobre a reforma política seja retomada, e um pacto geral pelo barateamento do processo eleitoral seja firmado”.

Em seu voto, Barroso entende que a contribuição por empresas “não é, necessariamente, ilegítima ou inconstitucional”, mas, “no âmbito do sistema eleitoral brasileiro de voto proporcional e lista aberta, seu impacto resulta sendo, inexoravelmente, antidemocrático e antirrepublicano”.

Ele considera que vem desse tipo de financiamento “a centralidade que o dinheiro passou a desempenhar no modelo brasileiro”, que traz, como consequência, “o perigoso descolamento entre a classe política e a sociedade civil. Temos uma democracia representativa em que o povo não se sente representado por seus representantes”.

Barroso vê também questão adicional de moralidade pública: segundo ele, muitas empresas contribuem porque se sentem ameaçadas se não o fizerem.

“É possível argumentar ser legítimo uma empresa financiar partidos e candidatos que representem sua visão de mundo e seus interesses legítimos. Na prática, porém, o que se vê são empresas contribuindo para todos os que tenham alguma chance de ganhar, ou de ocupar espaço político, por medo ou em busca de favores futuros”.

Ele admite que a decisão do STF, se se confirmar a proibição, cria dificuldades imediatas e, eventualmente, “pode demandar algum grau de modulação”. Mas acha que a proibição levará ao estudo de novas fórmulas, como o voto em lista e o voto distrital misto. Precisamos de democracia e não de uma plutocracia, com baixo patamar ético, exorta Barroso, que defende a tese de que “precisamos empurrar a História, e este é um passo indispensável a ser dado”.

Ele classificou de “atípico” o ano de 2013, em que foi nomeado para o STF: “O povo voltou às ruas, em reivindicações amplas e difusas. Os condenados na Ação Penal 470 (mensalão) foram efetivamente presos, superando o ceticismo dominante”.

Barroso diz que esses dois fatos “conjugaram o desejo de mudar e o início da mudança”, e, embora sejam independentes, inserem-se “no cenário geral de um país que busca uma nova narrativa para si próprio”.

Ele dá a sua visão dos motivos que levaram o povo à rua: “O nível de consciência cívica e de compreensão crítica da sociedade se elevou nos últimos anos, em razão da democracia e dos avanços socioeconômicos”.

Como consequência, “as pessoas se tornaram mais exigentes em relação às prioridades escolhidas pela Administração Pública, à qualidade dos serviços públicos e aos índices de corrupção da classe dirigente brasileira”.

De certa forma, diz Barroso, o julgamento e a execução das penas na AP 470 vieram ao encontro desse sentimento geral. “O Direito Penal, no Brasil, tradicionalmente seletivo — duro com os pobres, manso com os ricos —, afastou-se do seu curso tradicional e colheu um conjunto de pessoas bem postas na vida. Era essa demanda por republicanismo e igualdade que estava por trás da catarse coletiva que foi o julgamento e o espetáculo exageradamente midiático representado pela concretização das prisões”.

Ele adverte que a AP 470 só será vista no futuro como um marco institucional na História brasileira “se não deixarmos que seja o que ela de fato foi: um ponto fora da curva — frase que pronunciei na sabatina no Senado e que me acompanhou como uma assombração no ano de 2013”.

Se o julgamento da AP 470 conseguir ser o marco zero de um processo extenso e profundo de transformações sociais, toda a energia judicial e política nela despendida terá valido a pena, analisa Barroso. “Apropriar-se de dinheiro público é algo mau, independentemente do partido que o faça”, diz o ministro, que é o relator do mensalão mineiro, que deve entrar em julgamento no Supremo ainda no próximo ano eleitoral.

Fonte: O Globo

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