sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Direção perigosa - Rogério Werneck

As idas e vindas do governo na questão da exigência de airbags e freios ABS merecem cuidadosa atenção. O episódio realça, com riqueza de detalhes, a forma lamentável com que vem sendo conduzida a política econômica no País.

A obrigatoriedade de que todos os carros produzidos a partir de 2014 passem a contar com airbags e freios ABS foi estabelecida, jámuito tardiamente, em abril de 2009. Em países mais civilizados, os dois itens são obrigatórios há muito tempo. Em quatro anos e meio, a indústria automobilística teve tempo de sobra para se adaptar à exigência.

Há poucos dias, contudo, a menos de três semanas da data em que a obrigatoriedade deveria entrar em vigor, o governo, pressionado por montadoras e sindicatos, aventou a possibilidade de adiar a medida. "Comovido" eom o anúncio de que, após ter sido fabricada por seis décadas, a Kombi deixaria de ser produzida no País, o Planalto começou a ter dúvidas sobre o acerto da exigência.

A racionalização do adiamento passou por rápida mutação em poucos dias. De início, apreocupação - acredite se quiser - era com o efeito que a exigência de airbags e freios ABS poderia ter sobre a inflação. O que se alegava na Fazenda é que os preços dos carros que ainda não são dotados desses dois itens teriam de ser aumentados em até 9%. Mas, feitas as contas e constatado que, ainda assim, o efeito sobre o índice oficial de inflação seria muito pequeno, o governo decidiu agarrar-se a argumento menos esfarrapado.

Da noite para o dia, a conversa mudou. O ministro da Fazenda passou a externar temores de que a elevação de preços reduzisse a demanda por automóveis e, tendo em conta o peso da indústria automobilística, acabasse impactando o nível de atividade e o emprego em pleno ano eleitoral.

O episódio deixou exposto amplo leque de problemas com que se vem debatendo a condução da política econômica. O governo já nem tenta disfarçar o imediatismo inconsequente que vem pautando suas decisões. Não só políticas de curto prazo, mas também as de prazo mais longo estão inteiramente ao sabor das conveniências da campanha pela reeleição.

Para perceber de forma mais clara a absurda extensão dessa inconsequência no caso em análise, é bom lembrar que, nos últimos anos, o governo patrocinou indefensável escalada na proteção da indústria automobilística contra a concorrência de automóveis importados. E que, para isso, usou, como cortina de fumaça, um suposto programa de fomento à inovação tecnológica na indústria automobilística. É deprimente constatar, agora, que na esteira desse programa, o ministro da Fazenda se tenha mostrado tão propenso a adiar a exigência, absolutamente básica, de que automóveis sejam pelo menos dotados de airbags e freios ABS.

Há também que indagar por que o governo acreditou que os preços dos automóveis terão de ser elevados em até 9% para que passem a ser equipados com esses dois itens. Emboa medida, porque o governo sabe que fechou o mercado e propiciou às montadoras instaladas no País um ambiente aconchegante e pouco competitivo, que lhes dá amplo espaço para repassar custos a preços com toda tranquilidade.

O episódio também ajuda a perceber, de forma muito concreta, a leveza com que o governo se dispõe a mudar regras do jogo bem estabelecidas. Produtores de autopeças, que investiram para atender à expansão de demanda de airbags e freios ABS, tiveram razões de sobra para achar que tinham sido ludibriados. E, no Planalto, ainda há quem não entenda por que a credibilidade do governo anda tão baixa e o clima de investimento, tão ruim.

Na terça-feira, em meio a cerrada barragem de críticas, o governo decidiu, de repente, dar o dito por não dito e não adiar a exigência. Mas, como surto de insensatez não tem airbag, o episódio lhe saiu caro. A imagem do processo decisório do Planalto ficou ainda mais avariada do que já estava. Já as montadoras, mais uma vez, se deram bem. Saíram do episódio com promessas de que o governo as ajudaria a cumprir a exigência.

Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de economia da PUC-Rio

Fonte: O Estado de S. Paulo

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