segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O Julinho e o ensino - Paulo Brossard*

O caso do Julinho
soa como uma
espécie de S.O.S.
partindo da educação

Um fato chocante e de inegável importância social foi divulgado por ZH dias antes do Natal ao retratar a alarmante deterioração de um dos mais conceituados colégios de Porto Alegre, o “Julinho”, como era familiarmente denominado o “Julio de Castilhos”. Ao tempo em que surgiam colégios de inspiração religiosa, logo consagrados pela excelência do ensino ministrados por notáveis educadores, o governo rio-grandense, de forte tintura comtiana, cuidou de formar seu colégio padrão, que viria a levar o nome do chefe republicano; cansei de ouvir referências respeitosas ao colégio laico destinado a cotejar com os católicos e evangélicos; o maior louvor suponho viesse daqueles que lhe houvessem frequentado. O trabalho da jornalista Letícia Duarte estendeu-se pelo ano escolar, 27 de fevereiro a 22 de novembro de 2013; registrando o colapso do que fora um colégio modelar; é impossível resumi-lo, o espaço seria insuficiente para um resumo do resumo, limito-me a dizer que, a todos os títulos, o quadro é deplorável.

É óbvio que sem professor não há escola nem ensino, no entanto, no Julinho, até sete professores por dia faltam às aulas, 89% dos alunos chegam ao final do Ensino Médio sem aprender o mínimo em matemática, 38% saem do Ensino Médio e chegam ao Superior e não sabem ler e escrever plenamente; ao fundo da sala alunos se divertem com equipamentos eletrônicos durante as aulas; essas singelas observações esclarecem porque a classificação do Brasil entre 65 nações ocupa posição desoladora. É de notar-se que isto acontece em um colégio que durante muitos anos foi dos melhores aqui existentes e em consequência no Brasil inteiro. Esta metamorfose não se operou de repente, o mal, por conseguinte não começou ontem. O colégio que foi o melhor não se transforma no pior da noite para o dia. E o mais grave é que a degradação se infiltra a setores relevantes do país, do governo inclusive a de instituições docentes. Dir-se-á que existem, Deus seja louvado, colégios da melhor e mais justificada reputação e eu sei disso e como brasileiro por isto me felicito, mas infelizmente isto não justifica a cota de colégios de inqualificável reputação. Segundo as repercussões até agora conhecidas verifica-se que há os que pensam que o fenômeno que deformou o Julinho tem caráter geral e há os que entendem que a falência do antigo e modelar ornamento do colégio oficial é uma exceção.

Não tenho elementos para opinar em favor de uma ou outra das interpretações, mas confesso a minha angústia cívica diante do espetáculo público do caso funesto e vexatório do Julinho uma vez que os efeitos dele se irradiam aos demais graus do ensino; é evidente que o ensino primário contamina o Ensino Médio e este compromete o Ensino Superior; a esse respeito, louvores seriam poucos, se as numerosas universidades emergentes realmente encarnassem o que a sua denominação anuncia. Confesso-me sem condições de opinar em assunto de tal relevância, pois não conheço o real teor do ensino oferecido e mais do que o ensino, da real formação de seus jovens frequentadores.

No entanto, há um dado idôneo que ajuda a esclarecer o problema em causa, não é segredo, foi amplamente divulgado que dos 65 países que participam do exame de avaliação internacional de alunos de 15 e 16 anos em várias áreas, ficou o Brasil na 55ª posição em leitura, 58ª em matemática e 59ª em ciências. Dispensável dizer que esses dados indicam as carências do ensino no Brasil. Os dados referidos são dolorosos para não dizer humilhantes. O caso do Julinho soa como uma espécie de S.O.S. partindo da educação.

*Jurista, ministro aposentado do STF

Fonte: Zero Hora (RS)

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