quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Presidente e tucano trocam farpas

Por Andrea Jubé, Bruno Peres e Murillo Camarotto

BRASÍLIA e RECIFE - Em ritmo de campanha, intensificado às vésperas de seu recesso de fim de ano, a presidente Dilma Rousseff cumpriu ontem uma maratona de eventos, que foi do anúncio da compra dos caças da força aérea em uma confraternização com os militares, até um convescote com a delegação feminina de futebol. Em poucas horas, Dilma lançou farpas contra a oposição, confirmou a reforma ministerial, elogiou o Congresso, participou da devolução simbólica do mandato do presidente João Goulart e confraternizou com generais e atletas.

Na solenidade de cumprimentos de fim de ano das Forças Armadas, diante dos comandantes das três Forças e dos novos generais, Dilma surpreendeu ao anunciar que a licitação do Projeto FX - a compra de 36 caças Gripen, da sueca Saab - havia chegado ao fim.

Era um anúncio de peso, que foi mantido em sigilo diante dos 50 jornalistas com quem ela conversou durante quase duas horas pela manhã, em um encontro de fim de ano, a seu convite. A decisão era aguardada com ansiedade pelos militares, após duas décadas de tramitação da concorrência, que começou no governo Fernando Henrique Cardoso. Mas Dilma fez o anúncio com a mesma singeleza com que desejou Feliz Natal, na sequência. "Gostaria de dar aqui uma informação, digamos assim, inaugural", e reservou o anúncio formal para Amorim.

Na entrevista à rádio "Jornal do Commercio", de Pernambuco, Dilma alfinetou a oposição, ao repercutir declarações de seu provável adversário na campanha, o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

O tucano afirmara que dará continuidade a ambos os programas do governo, o Mais Médicos e o Bolsa Família: "É sempre bom ver que reconhecem alguma coisa. Durante um tempo o Bolsa Família foi chamado de Bolsa Esmola. Hoje não chamam mais."

Aécio - que se encontrou com a presidente na solenidade que homenageou Jango - rebateu a crítica. Ele afirmou que um futuro governo do PSDB vai manter as coisas boas desse governo - "que não são muitas", disse - e aperfeiçoá-las. "A presidente se equivoca algumas vezes em suas declarações. A primeira, quando repete a mesma mentira várias vezes, achando que ela pode se tornar verdade. Ela tem andado muito pelas redes sociais. Sugiro que ela vá lá no YouTube e veja o debate do segundo turno das eleições de 2002. Vai ver que foi exatamente o seu tutor, o presidente Lula, que chamou os programas de transferência de renda de bolsa esmola, ao contrário do que ela disse, se referindo ao Bolsa Escola e ao Bolsa Alimentação, que foram a matriz do Bolsa Família", afirmou Aécio.

Sobre o Mais Médicos, ela lembrou que no início, "na hora que estava difícil", a oposição não apoiou a iniciativa. Após duras críticas no lançamento do programa, o PSDB suavizou o tom das críticas e não votou contra a medida provisória que o instituiu. Aécio anunciou, entretanto, que pretende pagar o salário integral de R$ 10 mil aos profissionais cubanos, que - pelo modelo atual - devolvem a maior parcela do vencimento ao governo cubano.

Ao café da manhã com os setoristas do Palácio do Planalto, Dilma reservou a informação de que realmente fará mudanças no ministério a partir de janeiro. "Essa reforma vai ter um período, pretendo fazê-la de final de metade de janeiro até o Carnaval", anunciou. Os jornalistas pediram que ela antecipasse pontos da reforma, mas ela se esquivou. "Aí minha reforma era hoje, nas vésperas do Natal", ironizou.

Ela bloqueou, de largada, perguntas sobre a sucessão presidencial, a fim de evitar críticas de antecipação de campanha. Questionada sobre qual adversário seria mais competitivo, Aécio ou Eduardo Campos (PSB), ela foi veemente: "Na minha agenda ainda não cheguei neste momento, estou aquém dele. Então, não vou me manifestar sobre isso".

Em contrapartida, desdobrou-se em elogios ao Congresso, com quem manteve uma relação turbulenta no início do ano, até os protestos que dominaram as ruas em junho. Naquele mês, ela irritou os parlamentares, ao propor a realização de um plebiscito sobre reforma política, sem discutir o tema previamente com os aliados.

"Temos tido uma relação muito construtiva, o Congresso tem sido um grande parceiro do governo", comemorou. Dilma exaltou o pacto pela responsabilidade fiscal, assinado pelas lideranças dos partidos aliados, que implica a não aprovação de projetos que elevem os gastos públicos, sem fonte de receita prevista. "Mostra uma grande maturidade", afirmou.

Ela comentou que prefere as reuniões com aliados das duas Casas, separadamente, para dar mais espaço e oportunidades para as manifestações de todos. "Quanto maior a reunião com o número de pessoas, menos as pessoas falam. Dá mais trabalho? Dá, mas fica mais ágil". Até deflagrar esses encontros no Planalto, Dilma era criticada pela distância que mantinha do Parlamento. Nos bastidores, ela afirmava que fazer política era perda de tempo, porque "alguém tinha que cuidar do lojinha", segundo relatos de aliados.

Dilma não se manifestou sobre o pedido de asilo do ex-analista da NSA (agência de inteligência americana) Edward Snowden, que vazou informações sigilosas sobre atos de espionagem do governo americano. Ela ressaltou que não houve nenhum pedido formal. A imprensa divulgou um documento intitulado Carta Aberta ao Povo Brasileiro, em que Snowden oferece ajuda na investigação da espionagem, em troca de asilo permanente.

"Eu não acho que o governo brasileiro tem de se manifestar sobre algo de um indivíduo que não deixa claro, não dirigiu nada para nós. Nós não somos um órgão ao qual se faz ou se consulta ou se comunica por formas interpostas", afirmou. "A nós, não foi encaminhado nada", frisou.

Dilma rechaçou as críticas negativas ao seu governo, principalmente à condução da economia, e citou máximas otimistas de Antonio Gramsci e Winston Churchill. De Gramsci, ela lembrou: "O pessimismo dá razão, otimismo dá vantagem".

A presidente considera "absolutamente imperdoável" um governo pessimista, e não o admite nem em situação de guerra. "Mesmo assim eu prefiro a linha Churchill: 'sangue, suor e lágrimas'", vamos até o fim, vamos derrotar, porque é assim que se ganha", completou. (Colaborou Raquel Ulhôa, de Brasília)

Fonte: Valor Econômico

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