segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Sob o signo de Saturno - Renato Janine Ribeiro

Cobra-se tudo o que deixou de ser feito

Na mitologia antiga, Saturno é o astro das coisas pesadas, como o chumbo, e da melancolia. Na astrologia, exprime a frustração, a demora: quando alguém está sob o signo de Saturno, o sucesso não lhe sorri. O astro do sucesso é Júpiter, seu filho. Saturno comia seus rebentos; Júpiter escapou desse destino e depôs o pai. Truque simples de astrologia: localize Júpiter no seu mapa, você terá êxito (nos negócios, viagens, na casa...); procure Saturno, ele dirá onde tudo será difícil. Mesmo uma vitória final passará por batalhas perdidas.

O que tem isso a ver com a política brasileira? deve perguntar o leitor, até porque o autor destas linhas não é astrólogo. Tem a ver que ela me parece estar sob o signo de Saturno. Há um ano que nenhum partido faz uma goleada - o que seria um "outcome" jupiteriano. Quem parece estar por cima logo leva uma bordoada. Quem perde, volta ao jogo. Alguns exemplos:

Dilma Rousseff parecia ter a reeleição garantida, quando as manifestações de junho cortaram pela metade suas intenções de voto. Já Marina Silva, a grande beneficiária das ruas, parecia ir muito bem quando a Justiça negou registro ao seu partido. Eduardo Campos pareceu ganhar a sorte grande com a adesão de Marina, mas as pesquisas recentes de intenção de voto rebaixaram os dois, e muito.

Podemos multiplicar os exemplos. Colhi estes a esmo. O que chama a atenção na política deste ano é a tendência ao impasse, ao empate. Todos os atores estão insatisfeitos.

O PT corre o sério risco de esgotar seu cabedal político e não ter mais novidade a propor aos eleitores. Já não dispõe do carisma de Lula. Sua sucessora foi apresentada como ótima gestora e boa interlocutora do capital, mas não foi aprovada pelo empresariado.

O PSDB corre o sério risco de não chegar ao segundo turno daqui a um ano, e não se entende: uns acham que seu desempenho baixo se deve ao esgotamento de Serra, outros à falta de audácia de Aécio. O remédio que uma ala propõe é, no entender da outra, veneno. Cada lado vê, no outro, o desastre.

O PSB+Rede corre o sério risco de não decolar, deixando Eduardo com um "succès d'estime" junto aos empresários e Marina com o mesmo junto à parcela da opinião pública que se cansou dos tucanos, mas desconfia do PT. Sucesso de estima é um termo de teatro, indicando uma obra que empolgou os críticos - mas não o público.

Mesmo que o Partido dos Trabalhadores ganhe as eleições de 2014, ele ruma para um esgotamento, talvez mesmo uma estagnação. Faz tempo que o entusiasmo militante deu lugar ao poder, à administração, à gestão - e a qualidade desta última não agrada a todos. Considero bom o seu governo, mas por quanto tempo o PT disputará a hegemonia no país? Sua maior vantagem hoje está na fraqueza dos adversários.

O pior é que assim termina o ano do maior descontentamento público de nossa História. "The winter of our discontent", diríamos, lembrando o verso famoso de Shakespeare, só que um descontentamento que protestou, com muita alegria e, sobretudo, vida. Mas os partidos não souberam captar essa vibração. Somente Marina esteve bem perto das ruas. Ela foi quem melhor entendeu a sociabilidade presente nos que protestavam, o modo dos jovens agirem. Mas não desenvolveu o conteúdo das queixas e propostas deles. Ainda não mostrou se e como o bordão "sustentabilidade" resolveria o transporte público, a saúde e a educação. Já os dois partidões que há 20 anos disputam o poder no Brasil reagiram com planilhas de investimentos. Não disputaram a imaginação. Responderam, à poesia, de forma prosaica.

Será por acaso, então, que todos os problemas se acumularam, até chegarmos onde estamos? Vivemos um momento difícil para o gestor público honesto. Para dar saúde, educação, transporte e segurança públicos que sejam decentes, seria preciso aumentar sensivelmente os impostos. Mas quem aceitará pagar mais tributos, dado o histórico de ineficiência - ou de eficiência na má direção - do poder público em todas as esferas?

Como deveriam agir os políticos? A meu ver, é melhor demonstrarem humildade, esforço, perseverança ante os fracassos. É improvável que o clamor petista contra a prisão dos condenados ou o protesto tucano contra as acusações do trensalão venham a ter peso político decisivo. Eles só convencem os já convencidos. A maioria, o que quer são resultados concretos. União, Estados e municípios têm que melhorar muito os serviços públicos, sem aumentar a taxação. Nisso, estão atrasados.

Situação bem saturnina, pois o astro do tempo (Saturno, em grego, se chama Cronos) é especialmente severo com quem não fez a lição de casa na hora devida. Todos os partidos estão sendo cobrados. Os políticos podem gritar, mas o povo quer resultados tangíveis, como foi a inclusão social dos últimos anos. O pão e circo que satisfaziam a galera estão cedendo lugar à exigência de pão - e com muita manteiga.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico

Nenhum comentário: