sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Dilma perde batalha contra os juros altos

Em 1º de maio de 2012, a presidente da República prometeu derrubar as taxas e os spreads bancários cobrados dos consumidores, considerados por ela"inadmissíveis". Mas os encargos estão maiores hoje do que no início da cruzada do governo

Sílvio Ribas

A presidente Dilma Rousseff está vendo a sua cruzada contra os juros altos ir por água abaixo. Além de o Banco Central aumentar, com maior vigor que o esperado, a taxa básica de juros (Selic) — o indicador já está em 10,50% ao ano —, os bancos elevaram, sem dó, os encargos cobrados da clientela em todas as operações de crédito. Também subiram os spreads, a diferença entre o que as instituições financeiras pagam aos poupadores e cobram dos devedores. Foram eles, os detonadores da guerra santa contra o sistema financeiro, iniciada por Dilma em um discurso realizado em 1º de maio de 2012, Dia do Trabalhador.

Dados do BC mostram que, naquele mês, os juros médios cobrados das pessoas físicas nos empréstimos e financiamentos estavam em 37,10% ao ano. A taxa chegou a cair à mínima de 25,58% em dezembro de 2012. Mas voltou a subir e alcançou, em novembro último, 38,50% anuais. Ou seja, os bancos não só incorporaram todo o corte dos juros, como ampliaram os encargos.

No pronunciamento em rede nacional de tevê, naquele 1º de maio de 2012, Dilma disse ser “inadmissível” o Brasil continuar com “um dos juros mais altos do mundo”, num recado direto aos bancos privados, que resistiam a baixar suas taxas, mesmo após seguidos cortes da Selic. Uma semana após essa cobrança da presidente, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) reagiu à pressão, insinuando que o recuo da taxa básica não chegaria, necessariamente, ao consumidor.

Em relatório da entidade, o economista-chefe, Rubens Sardenberg, foi irônico. “Você pode levar um cavalo até a beira do rio, mas não conseguirá obrigá-lo a beber água”, afirmou, para ilustrar a tese de que, apesar de haver condições mais favoráveis à expansão do crédito, a ampliação efetiva das operações dependeria da agressividade dos emprestadores e do apetite dos tomadores por dívidas.

Esse embate começou em abril daquele ano, quando o presidente da Febraban, Murilo Portugal, declarou, na saída de uma reunião no Ministério da Fazenda, durante a qual entregou uma lista de reivindicações encabeçada pela redução de tributos, que “a bola” da derrubada dos spreads estava com o governo. No mês seguinte, a presidente devolveria a bola aos bancos privados, ao obrigar as instituições públicas — Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, em particular — a abrirem os cofres a custos menores. O apetite foi tamanho, que hoje elas dominam mais de 50% do mercado de crédito brasileiro.

Apagar das luzes
O fato é que o quadro atual jogou uma pá de cal sobre a cruzada de Dilma, item central de seu plano para mudar a matriz econômica do país. Com a taxa básica de juros menor, o governo queria estimular o consumo via crédito ao baratear seus custos e, assim, estimular a atividade econômica. No apagar das luzes de 2013, já com os juros de volta aos patamares de maio de 2012 e a oferta de dinheiro pelos bancos escasseando, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que a economia tinha, na falta de crédito, uma “perna manca”, ignorando os fatores que levaram a esse defeito.

Para o professor de economia da PUC-SP Antonio Corrêa Lacerda, a resistência da inflação forçou o BC a agir e os bancos, a repassarem os custos maiores de captação de recursos à clientela. Ele ressaltou que a escalada dos juros decorreu da série de erros cometidos pelo governo nos últimos dois anos. “Em 2012, os artifícios contábeis para fechar o superavit primário minaram a confiança e elevaram as estimativas dos índices de preços. O discurso oficial não foi coeso o suficiente para respaldar as metas”, analisou. Assim, só em 2015, com a posse de novo governo ou início do segundo mandato de Dilma, será possível “ancorar as expectativas” e voltar a perseguir juros reais de 1,5% a 2% ao ano.

Sendo assim, os consumidores devem se preparar. Como a Selic continuará aumentando nos próximos meses, os bancos reajustarão as taxas cobradas dos consumidores. “Não haverá escapatória. Comprar a prazo ou fazer um empréstimo ficará cada vez mais caro”, destacou Jason Vieira, diretor-geral do Portal de Informações Financeiras Moneyou.

Inadimplência recua
Jason Vieira, diretor-geral do Portal de Informações Financeiras Moneyou, disse não ter dúvidas de que a batalha contra os juros baixos no Brasil encampada pelo governo foi derrotada. “Falta muito pouco para a presidente Dilma apresentar a mesma taxa Selic que herdou do antecessor. Isso deixa evidente que o país não criou as condições para conviver com um custo mais moderado e civilizado do dinheiro”, comentou. Ele lembrou que os juros e os spreads voltaram a subir, mesmo com a inadimplência em queda, o que, teoricamente, reduz os riscos do sistema financeiro.

Canetada faz mal
Os especialistas alertam que não adianta o governo vociferar contra os bancos se não fizer nada para superar os gargalos que impedem a economia de usufruir de uma infraestrutura adequada. Também seria de bom tom aliviar a carga tributária. Eles ressaltaram ainda que o condicionamento das decisões do Banco Central à orientação do Palácio do Planalto contribuiu para tornar o controle de preços um mal ainda mais difícil de lidar. “A inflação foi provocada pela demanda aquecida. E derrubar os juros na canetada não é a melhor saída”, concluiu.

Fonte: Correio Braziliense

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