quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Globalização não hegemônica - Merval Pereira

A Academia da Latinidade, que reúne intelectuais de diversas partes do mundo com o objetivo de promover a aproximação das culturas, começa hoje aqui em Kuala Lumpur, na Malásia, sob a coordenação do cientista político brasileiro Candido Mendes, seu secretário-geral, um seminário para discutir o que está acontecendo com a globalização a partir dos novos blocos internacionais formados por países não necessariamente integrados entre si, uma nova configuração que determinaria a globalização não hegemônica, reduzindo a antiga dimensão regional para a formação dos blocos.

Na visão de Candido Mendes, se os Brics não são um bloco, ao mesmo tempo retiram a possibilidade de uma integração global hegemônica, o que ele chama de “desintegração da globalização”. Nenhum dos países que compõem o grupo tem integração com o outro, embora exista hoje uma tentativa de aproximação China-Brasil. Há uma absoluta ruptura entre a China e a Índia, por exemplo, que, caso se associassem, representariam 1/3 do mundo.

O que queremos saber, diz Candido Mendes, é o que significa essa nova configuração, pois há uma insistência muito grande dos malaios em definir o atual século como “o século asiático”, que não será nem chinês nem hindu, mas um século que envolverá todas essas novas configurações. O ponto central é a tentativa de individualização do Sudeste Asiático no jogo político internacional, e a Malásia, um país muçulmano, aspira a ser representante dessa região no Conselho de Segurança da ONU, para o que busca o apoio do governo brasileiro, que tem a mesma aspiração em relação à América Latina.

A seu favor , a Malásia demonstra a vocação para a intermediação dos contrários e a capacidade de união com a Cingapura e o Vietnã. A preocupação básica é saber como se vai conviver com a diferença, salienta Candido Mendes. “Como não há mais parâmetros para essa convivência de valores diversos, pode vir a radicalização da guerra das religiões, que levaria ao terrorismo. Para evitar essa situação extrema, a primeira premissa é que temos que coexistir com as diferenças, mesmo que os valores universais já não tenham o consenso.”

O secretário-geral da Academia da Latinidade considera que é importante a posição “muito criativa" da Malásia, que não aceita a tese de um simples pluralismo cultural, mas sim quer o multiculturalismo, envolvendo todas as etnias numa mesma convivência.

O movimento político no poder na Malásia tem por motivo a moderação, quase um partido único que reúne as diversas tendências representadas na sociedade, sem que um tenha que ceder ao outro o protagonismo. O presidente de seu Centro de Estudos Globais, Tan Sri Razali Ismail, fará uma palestra na abertura de hoje.

Essa nova configuração política pode ser uma alternativa, diz Candido Mendes, para o que se pensava, sobretudo no Oriente Médio, que seria o movimento democrático resultante do que ficou conhecido como a Primavera Árabe. “Se a democracia ainda não é absorvida pela cultura da região, o conceito de ‘moderação’ na convivência pode ser o recomeço da tentativa”, analisa.

As representações das ideias-chave da Ásia estarão na conferência de Kuala Lumpur, com acadêmicos, além da Malásia, da China, de Cingapura, do Vietnã. O novo alto representante para a Aliança das Civilizações da ONU, Nassir Abdulaziz Al-Nasser, fará a abertura do seminário. Alguns especialistas brasileiros estarão presentes, pessoalmente, como a deputada Aspásia Camargo e o membro da Academia Brasileira de Letras Marco Luchesi, ou através de trabalhos enviados, como o professor de Ética e Filosofia Política Renato Janine Ribeiro.

O Brasil hoje, na sua expressão política, segundo Candido Mendes, lança-se como liderança além do continente, pois tem uma presença política e econômica na África, mas encontra um contraponto na ação de Peru, Colômbia, Chile e México na Aliança do Pacífico. O filósofo italiano Gianni Vatimo, professor emérito da Universidade de Turim, fará o que pode ser a síntese desse seminário em uma palestra que tem como motivação “o reconhecimento recíproco além do universalismo”.

Fonte: O Globo

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