terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Tereza Cruvinel: A Copa e o anticopismo

Algo mudou mesmo na alma nacional, ainda que na fímbria habitada por uma minoria. Em 2007, quando a Fifa anunciou a escolha do Brasil como sede da Copa deste ano, o que todo mundo imaginava é que, no início de 2014, corações e mentes deste país que ama o futebol estariam mobilizados pelo torneio em si, excitados com escalações, cronogramas e tudo o que pudesse afetar o grande desejo, o da conquista do título de hexacampeão mundial. Mas o caldo da Copa azedou e nem se fala disso. A grande preocupação é com o que pode acontecer durante o evento. Problemas logísticos à parte, pois eles sempre são resolvidos de um modo ou de outro, do jeito que as coisas vão, confrontos e violência é que podem torná-la a Copa das Copas, realizando às avessas o desejo da presidente da República.

O “anticopismo” tem várias razões, inclusive as eleitorais, mas é muito alimentado pela desinformação. Ou pela contrainformação. No governo, a luz vermelha já estava acesa mas, a partir do último fim de semana, os alarmes dispararam: graças aos rolezinhos, os protestos anticopa começaram mais cedo, e a polícia, especialmente a paulista, reafirmou seu despreparo para lidar com multidões. Desceu a lenha nos manifestantes e atirou desnecessariamente num jovem agora em estado grave. Por isso, a reunião de hoje, no Ministério da Justiça, buscará garantir alguma ascendência da Polícia Federal sobre as PMs, subordinadas aos estados, cada qual com sua peculiaridade. O emprego das Forças Armadas não está descartado. O governo rumina seu dilema: como manter o “padrão civilizado” de segurança sem deixar que movimentos como o “Não vai ter Copa” comprometam a festa fora dos estádios? De que vale o sucesso de vendas de ingressos, que ultrapassou a marca de 1 milhão, afora os pedidos por mais 9 milhões, se, para chegar aos estádios, os torcedores tiverem que atravessar ruas conflagradas, fugir de confrontos entre manifestantes exaltados e policiais truculentos? Querendo ou não, o governo vai ter que endurecer. Acabará tomando medidas como uma que vem sendo examinada: preso num protesto durante a Copa, o manifestante só será liberado depois de encerrado o torneio.

Mas de onde vem a bronca com a Copa? Os adversários de Dilma Rousseff têm motivações eleitorais. É claro que, se o evento for um sucesso, ainda que o Brasil não ganhe, ela vai faturar uns pontos na disputa eleitoral. Mas o grosso dos manifestantes parece estar na ponta esquerda e na extrema direita, para lá de PT, PSDB e PSB, que são os times que contam. A indignação foi alimentada pelo alto custo dos estádios, pelos aditivos contratuais que favoreceram as construtoras — o que é fato—, mas, principalmente, por versões que não se confirmam como informação. O Portal da Transparência, da CGU, desmente, por exemplo, que a maior despesa seja com estádios. Dos R$ 26 bilhões que serão gastos com a Copa, não mais que 30% foram destinados às arenas, cerca de R$ 8 bilhões. O resto é para outras obras de infraestrutura, sendo que as de mobilidade urbana consumirão o mesmo valor que os estádios (R$ 7,9 milhões). Com aeroportos, serão gastos R$ 6,1 bilhões. Tudo isso, fica para todos. Mas, na boca do povo, o gasto é bem maior e só favorece a Fifa. Existe algo de surrealista no fato de o país do futebol estar ameaçando melar uma Copa do Mundo que tanto desejou, já tendo realizado uma com relativo sucesso, afora a derrota no Maracanã, quando era bem mais pobre.

Negócios da China. Com Cuba
A política externa brasileira sempre teve uma queda por Cuba, mesmo antes da Revolução de 1958, quando o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer o novo regime. Com o golpe militar de 1964, as relações diplomáticas iniciadas em 1906 foram rompidas, sendo reatadas em 1986, na redemocratização, pelo então presidente, José Sarney. Na era petista ganharam mais relevo e passaram a ser intensamente criticadas como se representassem apenas um “protecionismo afetivo-ideológico” às custas do Tesouro. Importantes quadros do PT viveram o exílio em Cuba e tiveram a proteção de Fidel Castro. Tanto quanto Lula, Dilma tem estimulado a parceria com Cuba em várias áreas, com destaque para a participação cubana no Programa Mais Médicos. Mas é também verdade que os acordos com Cuba não são a “fundo perdido”, representando bons negócios para os empresários brasileiros. A primeira etapa do Porto de Mariel, de cuja inauguração Dilma participou ontem, foi executada por uma das maiores construtoras brasileiras, garantindo 150 mil empregos no Brasil e R$ 800 milhões em compras. Os ganhos bem compensam o financiamento de quase R$ 700 milhões. O BNDES abriu uma linha de financiamento para a aquisição de implementos agrícolas por Cuba, mas as compras terão que ser feitas exclusivamente de empresas brasileiras. E assim por diante. Isso não é novidade, é o que fazem outros países. Mas, por força do embargo americano, poucos se abriram aos negócios com Cuba. A União Europeia começa a rever essa posição. Mesmo não renunciando ao socialismo, a sobrevivência exige mais pragmatismo da ilha, com ganhos para os parceiros.

A Celac
A Comunidade de Estados Latino-Americanos (Celac), que reúne hoje, em Havana, os governantes dos 33 países-membros, faz parte de uma nova arquitetura da política externa do continente. Foi criada em 2011, sob a liderança de Hugo Chávez, e o estímulo anterior de Lula. Dela não fazem parte os Estados Unidos e o Canadá, e não apenas por não serem latinos. A Celac é uma espécie de pós-Alca, esforço pela integração sem a mediação ou a imposição americana. Na medida em que se fortalece, esvazia a OEA, organização em que os EUA sempre deram as cartas.

Fonte: Correio Braziliense

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