quinta-feira, 20 de março de 2014

Raquel Ulhôa: Visões diferentes de um governo

Walter Pinheiro defende resgate da utopia do PT

A recente crise entre governo e aliados aumentou a nostalgia dos tempos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em setores do PMDB e do PT. No Congresso, ouve-se que o PT tem "um problema de cinco letras e uma solução de quatro". Apesar de haver forte torcida, uma troca de Dilma por Lula, na disputa é hoje descartada, mas petistas dizem que, "se houver riscos ao projeto", isso vai acontecer.

Dificuldades de caixa dos Estados, indefinições na formação de alianças e pressões do setor privado (financiador de campanha) pela aprovação de projetos do seu interesse no Congresso têm deixado deputados e senadores com nervos à flor da pele. Aliados pressionam o governo e aumentam as críticas à presidente Dilma Rousseff por uma "falta de diálogo político".

O senador Walter Pinheiro (BA), um dos parlamentares mais experientes da bancada petista - que não vai disputar eleição, embora tenha tentado ser candidato a governador -, diz que alguns problemas são criados ou agravados pelo governo.

A medida provisória que trata da tributação de lucro das empresas no exterior (MP 627), um dos motivos de crise entre PMDB e governo, na sua opinião poderia ter sido melhor discutida com os setores da economia e talvez até editada após a eleição.

"Houve um processo de condução um pouco açodado. Criou-se um problema na política que, se não for resolvido, vai se transformar numa crise maior, na economia."

O enfrentamento em torno da aprovação do marco civil da internet, para ele, deveria ter sido feito no ano passado, para evitar o acirramento de ânimos provocado em ano eleitoral. Outro caso citado pelo senador é o veto ao projeto de lei que estabelece regras para a criação de novos municípios, que, de acordo com líderes, foi aprovado com aval do governo. "Como é que eu votei a favor e agora voto pela derrubada do veto? É chamar para si mais um problema."

O "caldeirão" de insatisfação, principalmente em ano eleitoral, é composto pelo agravamento dos problemas fiscais dos Estados. Pinheiro atribui ao governo federal parcela de responsabilidade pelo não avanço das propostas relativas à mudança do indexador das dívidas de Estados, convalidação dos incentivos fiscais com base na arrecadação do ICMS, criação dos fundos de desenvolvimento regional e de compensação pelas perdas com o fim da guerra fiscal e a mudança de tributação do comércio eletrônico.

"Os governadores estão desesperados, dizendo que seus Estados vão quebrar. O Congresso deu alguns passos e o governo apontou caminhos que a gente poderia seguir. Mas fatores externos fizeram a Fazenda tomar a decisão de pisar no freio. Poderia até pisar, mas deveria ter explicado melhor", disse. Para Pinheiro, cabe à presidente chamar para si o debate sobre o pacto federativo, embora a solução não dependa só do governo federal.

O petista avalia que o governo errou na condução do atendimento às reivindicações das manifestações de junho. "Seria necessário a gente resolver um problema seríssimo [do governo] que é a falta de ausculta. Auscultar não é ouvir. É ver por dentro o que as pessoas querem. E, a partir dessa ausculta, estabelecer um rito permanente de discussão."

Para Pinheiro, o governo tem bons propósitos, toma as medidas corretas, mas não consegue fazer 'a liga' dessas medidas com três setores: a política, a economia e o povo. Chamar bancadas para conversar em meio a crises, para ele é "trocar pneu com o caminhão descendo a ladeira".

Uma das maiores defensoras de Dilma no Senado, a ex-ministra Gleisi Hoffmann (PT-PR) diz que a presidente se reuniu mais com bancadas e líderes do que Lula. Afirma que o Congresso ressentiu-se do estilo de atuar adotado por Dilma, "inerente às mulheres" e mais "institucional".

"A mulher tem um estilo diferente. Ninguém vai chegar para a presidenta e contar uma piadinha ou fazer brincadeira. Nem ela vai contar piadinha. Ela é mais séria, institucional. As pessoas não estão acostumadas com isso."

Para a ex-ministra, as críticas partem, muitas vezes, de quem não teve interesses atendidos. "Enfrentamos isso quando discutimos a concessão. Havia muitas críticas do setor privado, empresarial, de que o governo não ouvia. Na realidade, ouvíamos muito. Mas algumas coisas não podiam ser acatadas."

Segundo ela, o mesmo acontece em relação ao Congresso. Apesar do "pacto pela responsabilidade fiscal", ela diz que muitos diálogos com aliados implicam gastos, que não podem ser feitos.

Entre as críticas rebatidas por Gleisi, estão a do veto de Dilma ao projeto dos municípios e à condução das questões federativas. No primeiro caso, diz que o governo não deu aval para a aprovação. Quanto ao pacto federativo, afirma que o governo fez sua parte. Faltou acordo entre os Estados e o Congresso "perdeu o timing dessa discussão". Para ela, mesmo num segundo mandato de Dilma, o assunto terá dificuldade de avançar.

"Não sou pessimista, mas também não acho que tudo depende da vontade do Executivo, como se a presidente fosse uma fada, que bastasse receber e agradar todo mundo para resolver. Não é assim. Se fosse, outros já teriam resolvido".

Para Pinheiro, nos governos do PT houve avanços, inclusão e melhoria na educação. A vida melhorou dentro de casa, mas, até pelas dificuldades de Estados e municípios, piorou na rua. Falta segurança e os serviços de saúde são ruins. Ele teme os efeitos na eleição.

"A utopia de nossas vidas [do PT] era gestar algo que pudesse levar as pessoas à crença de que estamos trabalhando para melhorar a vida delas. Construímos uma base sólida nesses 12 anos, mas não pode haver frustração. Para resgatar a confiança, é preciso diálogo, interação. É preciso auscultar a população. O que se ouve de um lado não pode sair pelo outro."

Fonte: Valor Econômico

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