quarta-feira, 5 de março de 2014

‘Venezuela não deve criminalizar manifestações’, diz Frank la Rue

País vive ‘crise de expressão’, e diálogo é a única saída, afirma guatemalteco

Relator especial da ONU para a Liberdade de Expressão condena repressão que matou 18 pessoas e diz que segurança deveria ficar exclusivamente a cargo de forças civis, já que Exército é treinado para ‘combater inimigo’

Edgar López, do El Nacional/GDA Caracas

Qual é sua mior preocupação na Venezuela?

A manifestação pacífica é parte inerente da liberdade de expressão, e o uso da força deve ser reduzido exclusivamente para limitar atos de violência ou saques, se houver. No caso da Venezuela, a nossa preocupação é com os níveis de violência nas manifestações. Cabe fazer um chamado aos funcionários encarregados de manter a ordem, porque não é a função deles interromper ou frear a expressão de setores da sociedade. Temos visto muitas prisões arbitrárias, porque a reação imediata é prender qualquer um que pareça suspeito. Isso geralmente é uma má prática que provoca reação negativa na população. As pessoas nessas circunstâncias devem ser liberadas o mais rápido possível para que a detenção não se converta num fator de intimidação da expressão.

Que valor tem a liberdade de expressão numa crise?

Nos momentos mais críticos na vida de um país é muito importante que os meios de comunicação possam operar com total liberdade. A sociedade tem o direito de ser plenamente informada, assim como a comunidade internacional. Claro que vai haver diferenças de opinião e visão editorial, mas essas diferenças não podem silenciar ninguém. Ao contrário. Em tempos de crise, é quando você deve-se dar total fluidez ao jornalismo para que todo repórter e todo veículo possa cumprir sua missão. Eu diria que o importante nestes momentos críticos é garantir que haja a maior diversidade de veículos e pluralismo de ideias.

Setenta e seis jornalistas foram agredidos e 19 presos na cobertura dos protestos...

Quem mais sofre são os cinegrafistas e fotógrafos. Primeiro, porque são identificados com mais facilidade. Segundo, porque lhes quebram câmeras e equipamentos. A comunicação do século XXI cobra mais relevância ao visual. É importante que os repórteres audiovisuais trabalhem com inteira liberdade, sem medo de sofrer danos físicos ou a seus equipamentos.

Com 19 dias de protesto e 18 mortes, diria que o direito à manifestação não está plenamente garantido no país?

Em mais uns dias haverá um pronunciamento conjunto de vários relatores da ONU, com diferentes mandatos, sobre a situação na Venezuela. A nós parece que 18 mortes é um número elevadíssimo. É absolutamente lamentável e mostra uma verdadeira crise de expressão que deve ser resolvida com diálogo imediato.

Que implicações tem a intervenção das Forças Armadas no controle da ordem pública?

Alguns relatórios de ONGs submetidos ao Alto Comissariado para os Direitos Humanos, em Genebra, indicam o uso excessivo da força policial. Soubemos que o governo prendeu alguns responsáveis por esses excessos, o que parece bom. Mas o mais importante é que sejam dadas instruções para evitar que isso aconteça novamente. Houve danos desnecessários. As forças de segurança devem mudar de política para um sistema de vigilância sem reprimir os manifestantes. Se houver delito, deve-se proceder conforme a lei, mas sem repressão. Quanto ao Exército, acredito que a segurança interna deve ser exclusivamente civil e não ligada às Forças Armadas, porque eles não são treinados para essa função. Cria-se problemas de legitimidade diante da opinião pública, e isso inevitavelmente acaba em algum tipo de excesso, porque o treinamento que os militares recebem é para derrotar e aniquilar o inimigo. Não é o caso das questões sociais. Numa sociedade democrática, a segurança deve ser civil, sob o controle do Judiciário.

ONGs também denunciam o aumento da criminalização dos protestos e alegam que, além de prender os manifestantes, atribuem a eles crimes previstos em leis contra a delinquência organizada e o terrorismo.

Pode-se concordar ou não com um protesto, mas nada permite o uso da força desnecessariamente, penalizá-lo ou criminalizá-lo. Se alguém comete um crime de vandalismo no decorrer de uma marcha, presume-se que esta é regida pela legislação nacional, que deve ser cumprida de acordo. Mas possíveis transtornos não podem ser considerados crimes contra a segurança nacional. É perigoso, porque isso significa voltar a um tipo de debate político marcado pelo confronto, que não cria condições para o diálogo. Além disso, é algo injustificado.

Como a ONU pode ajudar aos venezuelanos que estão indo às ruas protestar?

Mandamos uma carta ao governo venezuelano informando das denúncias recebidas para pedir resposta. O objetivo é pedir explicações e iniciar um diálogo. Esperamos que esta carta seja respondida o quanto antes; é a oportunidade para que as autoridades deem sua versão dos fatos. Se houver a necessidade de relatores na Venezuela para favorecer o diálogo em busca de soluções, estou certo que qualquer um de nós estaria totalmente disposto a viajar ao país com a anuência de todos os lados.

Fonte: O Globo

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