terça-feira, 1 de abril de 2014

Gustavo Roosen: Com direito a futuro

Ao levantar sua voz, os jovens venezuelanos assumiram sua condição de estudantes, mas, também, de cidadãos

Colunista do jornal El Nacional de Caracas – O Globo

A urgência de sair da crise, de frear a deterioração do país, de repensá-lo sobre novos parâmetros e de projetá-lo a longo prazo sacode hoje a consciência do venezuelano de todas as idades, mas muito especialmente a dos jovens. Isso explica sua posição avançada nos protestos e o tom de suas reivindicações. Se a alguém a falta de futuro golpeia dramaticamente é à juventude. É sobre os jovens que recai mais duramente a sensação de tempo perdido, de caminho equivocado, de atentado à esperança, de futuro hipotecado. O reclamo de seus direitos no presente é, no fundo, a luta pelo direito de ter futuro.

Num mundo aberto, mutante, exigente, em progresso, marcado pela modernidade, sua percepção do país atual e do modelo que o explica não lhes pode evocar senão atraso e desesperança. O esquema não dá mais. Por isso, se constituíram em voz da sociedade, expressão de uma comunidade oprimida por insegurança, inflação, desemprego disfarçado, desabastecimento e todas as consequências de um modelo concentrador de poder, controlador em excesso, depredador da institucionalidade, improdutivo, empenhado em reviver utopias fracassadas. Seus reclamos enfrentam a ameaça às liberdades e a violação dos direitos, mas também atendem aos temas fundamentais da qualidade da educação e da saúde, a racionalidade econômica, a falta de oportunidades para o desenvolvimento pessoal e coletivo.

Conscientes de seu papel como inspiração e estímulo para os demais venezuelanos, seu reclamo transcende as reivindicações estudantis e passa a interpretar uma vontade coletiva de modernização, de equidade, de construção de um modelo social gerador de desafios e oportunidades, no qual os direitos deixem de ser aspirações e o amanhã seja mais esperado que temido. Sabem que seu futuro depende deste presente, que as possibilidades de desenvolvimento pessoal estão limitadas ao grau de desenvolvimento coletivo, que não há esperança para os indivíduos numa sociedade sem horizonte nem saídas. Por isso buscam saídas, e as propõem. Por isso, a partir de sua perspectiva particular de estudantes, insistem, com razão, na qualidade da educação, único instrumento verdadeiramente eficaz para assegurar a mobilidade social.

Ao levantar sua voz, assumiram com dignidade sua condição de jovens, de estudantes, mas, muito especialmente, de cidadãos. Sua atuação anima a sociedade, mas simultaneamente lhe apresenta o desafio de dar resposta a seus apelos e de entender um novo modo de participação e de ação política que os atores tradicionais devem considerar e alentar, respeitando o frescor do movimento estudantil e evitando toda a pretensão de conduzi-lo, de apropriar-se dele, manipulá-lo ou desfigurá-lo. Quem se incorpora à vida política na atual conjuntura venezuelana teve, em sua maioria, o acerto de definir adequadamente seu papel, afastando-se do risco de posturas radicais que não veem como construir o futuro sem dinamitar o passado.

Os que veem violência no protesto estudantil de hoje, e mais ainda os que buscam desviá-lo para a violência, não entenderam nem as razões nem o sentido da luta em que nossos jovens estão empenhados. Poucas vezes esteve tão clara a interrelação presente-futuro. As reivindicações tocam o presente, mas o transcendem. Não pode ser de outra forma quando percebem que o modelo que busca se impor nega-lhes o futuro. Não pedem que alguém o construa para eles. Reclamam, isso sim, o direito de construí-lo, mas percebem os caminhos cortados.

Soa-lhes como ironia ser chamados de futuro da pátria e sofrer um presente não desejado. Exigem outro presente, agora. Aspiram a ser levados em conta, a não ter que ver as oportunidades como quimeras, a não permitir que as esperanças de convertam em frustrações. E aspiram agora, para terem futuro.

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