domingo, 13 de abril de 2014

Suely Caldas: A Petrobrás capturada

- O Estado de S. Paulo

"Poucos ministérios têm o poder que tem a Petrobrás", dizia Carlos Sant'Anna, um funcionário de carreira que conhecia muito bem as entranhas da estatal e que a presidiu no último ano de ditadura militar. Manipular negócios de investimentos que movimentarão US$ 220,6 bilhões (R$ 507 milhões) até 2018 é poder de causar inveja e cobiça à classe política, governadores, deputados, senadores e seus partidos, ávidos por capturar dinheiro grande para financiar campanhas eleitorais. E muitos dos negócios fechados escapam da fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União porque envolvem conhecimentos técnicos muito específicos.

Exemplo: é mais fácil detectar superfaturamento na compra de uma refinaria no exterior, como Pasadena, do que identificar subfaturamento na exportação de gasolina, em que centavos de dólar subfaturados por barril vendido viram milhões multiplicados pelo volume final em centenas de operações efetuadas. E não só na exportação, muitas outras operações (compra de plataformas, por exemplo) são encomendas com especificações tão detalhadas que dificultam comparar valor no mercado. Só mesmo os próprios funcionários - que acompanham o cotidiano do mercado e os negócios da estatal - são capazes de identificar certas fraudes escondidas por trás do conhecimento técnico. Esse é o poder mencionado por Sant'Anna - e o alvo da cobiça dos partidos políticos, loucos por ganhar uma fatia de poder na Petrobrás.

Por isso, políticos com poder na Petrobrás partiram para aliciar funcionários. Um deles, Paulo Roberto Costa, empregado de carreira - feito diretor de Abastecimento por José Janene (PP), abençoado por Lula e José Dirceu e operador do PMDB -, foi preso há dias acusado de lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, da Polícia Federal (PF). O aliciado tem por meta arrecadar quantia predeterminada para os partidos que o puseram no cargo.

No governo Collor, o secretário de Assuntos Estratégicos Pedro Paulo Leoni Ramos designou o advogado João Muniz de Oliveira Alves para cooptar funcionários para o esquema que montou na Petrobrás. Na conversa, o advogado levantava suspeita contra o funcionário, sugerindo que seria demitido do cargo caso não cooperasse com o esquema. Fez isso com mais de uma dezena de executivos graduados, conseguiu a adesão de alguns, mas outros negaram e denunciaram o esquema à imprensa. Operado por três empresas que pertenciam a Sérgio Rocha, amigo e afilhado de casamento de Leoni Ramos, o esquema PP funcionou na Petrobrás até a demissão de seu mentor, em 30 de março de 1992. Foi a ponta do fio da meada que levou à queda de Collor nove meses depois.

Pedro Paulo Leoni Ramos volta à cena agora, no governo Dilma Rousseff, liderando o obscuro consórcio Constantinopla, que, associado a Furnas, arrematou a concessão da Hidrelétrica de Três Irmãos. A PF investiga ligações de suas empresas - GPI e Investminas - com o doleiro Alberto Youssef, preso e acusado de lavagem de dinheiro e distribuição de propina a partidos políticos. O TCU suspendeu a assinatura do contrato da usina por outro motivo, mas é provável que as empresas de Leoni Ramos saiam do consórcio. Já seu padrinho de casamento, o senador Fernando Collor, tem dois assentos garantidos na diretoria da BR Distribuidora.

Com Lula na Presidência, o método de cooptação do funcionário mudou. Loteados todos os cargos de direção entre partidos aliados, o funcionário passou a ser aliciado diretamente pelo partido. Acima de servir à Petrobrás, sua missão é arrecadar dinheiro grande para o partido. Esse novo modelo foi tão vulgarizado que o ex-presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti bradou irritado o que PMDB, PT, PTB e PP fazem às escondidas em Brasília: "Quero é aquela diretoria que fura poço e acha petróleo!".

Dilma Rousseff afastou boa parte de diretores partidários, mas deixou remanescentes. E sobrou para Graça Foster administrar os estragos das fraudes herdadas da gestão anterior e explicar o inexplicável para evitar a criação da CPI no Congresso.

Suely Caldas é jornalista e professora da PUC-Rio.

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