quinta-feira, 24 de abril de 2014

Tereza Cruvinel: Onde nada mudou

- Correio Braziliense

Neste abril em que o Brasil ainda celebra a democracia, ao evocar os 50 anos do golpe, a ditadura e sua derrota tardia, as notícias sobre a violência policial avisam que, para uma parte do Brasil — os pobres, os negros, os favelados e os esquecidos em geral —, a mudança não chegou. Para eles, o Estado continua sendo um patrão cruel, omisso quanto a seus deveres e truculento ao garantir a ordem, através de uma polícia que faz tudo o que o aparelho repressivo da ditadura fazia. Os "clientes" é que mudaram. Agora, em vez de estudantes e militantes da resistência, a tortura e a morte alcançam os Amarildos. Reações como a dos moradores do Pavão-Pavãozinho ao assassinato do dançarino Douglas Pereira são um grito de revolta há muito reprimido. Copacabana sofreu e a imagem do país pagou. Não está provado (ainda) que o tiro que o matou foi dado por um PM, mas a certeza da comunidade vem de sua própria experiência.

A polícia militar aprendeu muito com o aparato da repressão. Ela serviu ao DOPS, ao Doi-Codi, aos porões. Já sabia torturar, sempre soube, mas "sofisticou" suas técnicas. Que fim levaram os paus de arara usados na ditadura? Muitos estão nas delegacias do Brasil pobre. Há quem não veja relação entre uma coisa e outra, mas, se a Lei da Anistia não tivesse garantido o perdão para os torturadores e assassinos do regime, hoje as PMs não torturariam com tanta desenvoltura, confiadas na impunidade e na proteção corporativa. Se meia dúzia de verdugos da ditadura tivessem sido condenados, PMs pensariam duas vezes antes de torturar, como tudo indica que fizeram com Douglas antes de matá-lo. Não teriam torturado o pedreiro Amarildo, da Rocinha, e desaparecido com seu corpo, tal como a ditadura fez com Rubens Paiva e outros tantos. Não teriam trucidado Claudia, do Alemão, nela atirando sem necessidade e depois atirando-a como fardo no porta-malas do camburão, de onde caiu e foi arrastada pela rua. Lembra o que fizeram com Gregório Bezerra.

Desmilitarizar as PMs, reformar a cultura policial e construir uma outra lógica de segurança pública é o desafio brasileiro numa segunda rodada de redemocratização. As UPPs, unidades de polícia pacificadora, criadas no governo Sérgio Cabral, partiram de outra lógica. Foram instaladas nos morros de onde o Estado conseguiu destronar o tráfico de drogas. Ali ficaram, em contato com os moradores. A nova cultura, entretanto, não vingou. As UPPs acabaram se tornando ilhas dentro de uma estrutura maior, ainda intocada. Os eventos recentes mostram que o todo prevaleceu sobre a parte. Isso vale para o Rio, onde houve uma experiência inovadora. Nos demais estados, nem isso foi tentado.

Enquanto isso, o sistema carcerário vai se afundando na barbárie. Ontem a ONG internacional Conectas lançou campanha para acabar com a chamada "revista vexatória" dos que visitam parentes presos, especialmente as mulheres. Segundo a campanha, "toda semana, milhares de mães, filhas, irmãs e esposas de pessoas presas são obrigadas a se despir completamente, agachar três vezes sobre um espelho, contrair os músculos e abrir com as mãos o ânus e a vagina para que funcionários do Estado possam realizar um dos procedimentos mais humilhantes de que se tem notícia nos presídios brasileiros: a revista vexatória". Contra esses absurdos, a democratização precisa avançar.

Base pacificada
Pelo menos um dos problemas que atazanaram a presidente Dilma este ano parece estar resolvido. A base aliada, que começou o ano nos cascos contra o governo, parece pacificada e vem aprovando as questões mais importantes para o governo. Anteontem, o Senado concluiu às pressas a votação do Marco Civil da Internet, antes de vencido o prazo da urgência constitucional, para garantir a Dilma o palanque em que ela brilhou ontem. Sancionou a lei em pleno evento NetMundial, em São Paulo, onde tocou bumbo para a iniciativa pioneira do Brasil em relação à governança da Internet e à preservação da privacidade.

Na base, o PMDB ganhou mais poder: o senador Romero Jucá foi indicado ontem, pela terceira vez nos últimos anos, para o cobiçado cargo de relator-geral do Orçamento de 2015. Nos estados, ainda há problemas entre PT, PMDB e aliados, mas as coisas já estiveram piores. O PT neste momento tem outro nome: o deputado André Vargas, pressionado a renunciar para o partido não "pagar o pato".

Minas se move
Desistindo de concorrer ao governo de Minas para apoiar a candidatura do petista Fernando Pimentel, o senador Clesio Andrade (PMDB) arranhou a estratégia dos tucanos, mas eles não acusaram o golpe. O senador Aécio Neves avisa que não se cogita da substituição do candidato Pimenta da Veiga. No comando de sua campanha, a aposta é num crescimento nas próximas pesquisas, puxado pelo último programa de televisão do partido. Nele, pela primeira vez, Aécio recorreu à força mítica de seu avô, Tancredo Neves.

Receita: o inferno da malha
Como faz todos os anos, a Receita Federal aprimorou seu programa de declaração do imposto de renda. Apesar do know-how, entretanto, mantém prisioneiros os contribuintes que caíram em malha. Eles podem verificar pelo site que enfrentam exigências e quais são elas, mas não conseguem agendar o atendimento. Nem mesmo presencialmente. O contribuinte é condenado a esperar a intimação da Receita, que pode levar até cinco anos. Enquanto isso, o imposto devido engorda.

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