segunda-feira, 19 de maio de 2014

Eleição na Previ contesta 'feudo' do PT

A eleição no maior fundo de pensão da América Latina, a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, coloca em questão as indicações políticas na instituição, que têm 198 mil associados e ativos superiores a R$ 170 bilhões. Dominada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Previ se transformou em meio para nomeações do PT. Levantamento do Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, identificou pelo menos 50 petistas e aliados como representantes do fundo nos conselhos de administração e fiscalização de 26 empresas nas quais a Previ é acionista. O número representa um terço dos 153 conselheiros espalhados por mais de 50 empreendimentos em setores que vão de mineração à indústria aeronáutica.

• Entre os conselheiros indicados pelo fundo de pensão, 27 têm carteira de filiação petista no TSE

• Subsídios por reunião variam de R$ 3 mil na Neoenergia até R$ 47 mil na Embraer

Raymundo Costa e Raphael Di Cunto – Valor Econômico

BRASÍLIA - Antes restrita à máquina publica estatal, o PT expande a ocupação de espaços em direção ao setor privado e já preocupa os segurados da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil - a Previ, o maior fundo de pensão do país e da América Latina com seus 198 mil associados e ativos estimados em mais de R$ 170 bilhões.

Capturada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Previ se transformou num instrumento para indicações do PT - e alguns poucos aliados - aos conselhos das empresas nas quais o fundo tem participação. O processo se intensificou com a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o aumento da influência do partido na cúpula do BB.

Levantamento do Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, identificou pelo menos 50 petistas e aliados que fizeram composições eleitorais com o partido, além de diretores indicados pelo Banco do Brasil na gestão do PT, como representantes do fundo nos conselhos de administração e fiscalização de 26 empresas nas quais a Previ é acionista.

O número representa um terço dos 153 conselheiros espalhados por mais de 50 empreendimentos em setores que vão desde a mineração a bebidas e alimentos, passando por petróleo e gás, energia elétrica, telefonia, indústria aeronáutica e vários outros. Ao menos 27 são filiados ao PT, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O levantamento ignorou nomes que pudessem sugerir a concorrência de homônimos.

Além de influência nas decisões de algumas das maiores empresas do país, os conselheiros ainda contam com remuneração por participação nas reuniões. O subsídio varia dos R$ 3 mil pagos pela Neoenergia até R$ 47 mil para quem aparecer nos encontros da Embraer. A Previ diz, em nota, que os funcionários da ativa têm uma regra de autolimitação da remuneração no valor de R$ 13,9 mil. Contudo, o ex-presidente do Conselho Deliberativo da Previ Henrique Pizzolato, condenado no processo do mensalão, disse a uma CPI em 2005 que a maioria desrespeitava essa regra.

O aparelhamento ficou exposto na disputa eleitoral iniciada na sexta-feira para eleger dois diretores e seis conselheiros para a Previ. Os candidatos de oposição à chapa da situação, formada principalmente por sindicalistas da Central Única dos Trabalhadores (CUT), criticam a nomeação de petistas e aliados e pedem mais transparência na escolha.

"O sistema foi flexibilizado para que a experiência como dirigente sindical conte tanto quanto a de ter sido executivo em uma empresa", diz Cecília Garcez, ex-aliada do PT que é candidata à diretoria da Previ por uma chapa que se declara independente de partidos políticos, mas que é apontada pelos adversários como ligada à União Geral dos Trabalhadores (UGT). "Se comparar as indicações de 10 anos atrás, hoje está muito mais concentrado, 70% [dos conselheiros] estariam ligados à CUT, alguns que não têm a menor preparação para sentar num conselho de grandes empresas privadas", afirma.


Já a chapa "Ética e Transparência", formada por grupos de aposentados, é mais branda na crítica. Para José Branisso, candidato ao conselho fiscal, os critérios as vezes deixam a desejar, mas não é porque a pessoa é um militante partidário que não tenha competência para representar o fundo. "Muitos participantes questionam [os critérios] porque a maioria é de uma corrente política. Defendemos que sejam clarificados para dissipar as dúvidas. Trabalhamos em um mercado em que a confiança de quem está fazendo a gestão é fundamental."

Na lista de conselheiros da Previ em empresas encontram-se filiados a partidos aliados do governo federal - PMDB, PR, PSD e PCdoB- e petistas clássicos, como Francisco Ferreira Alexandre, que foi secretário da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf-CUT), diretor do Sindicato dos Bancários de Alagoas e hoje tem assento no conselho de administração da Vale.

Há também funcionários que não são filiados ao PT, mas têm laços com o partido. Um deles é Roberto Luiz Ribeiro Berzoini, conselheiro da Usiminas e irmão do ministro das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini (PT) - ex-presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo que ainda mantém influência sobre a Previ.

Outro é o ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda e estrela de primeira grandeza na equipe do programa de governo da campanha à reeleição da presidente Dilma Roussef, Nelson Barbosa, que integra o conselho da Vale. Há também ex-candidatos a deputado federal pelo PT, como Odali Cardoso, conselheira da empresa que administra o resort Costa do Sauípe.

As nomeações são defendidas por José Ricardo Sasseron, ex-diretor da Contraf-CUT que concorre a uma vaga no conselho deliberativo da Previ pela chapa da situação. "Você duvida da competência do Nelson Barbosa para representar a Previ?", questiona. E diz que a seleção, feita pela diretoria de participações e avalizada pelo conselho deliberativo, é rígida. "Os critérios de escolha são claros e vem desde o Fernando Henrique Cardoso", afirma.

De fato, o uso político da Previ não é exclusividade do PT. No governo do PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recorreu, sem parcimônia, ao fundo de pensão dos funcionários do BB para viabilizar os leilões de privatização realizados no fim dos anos 1990, por meio da constituição das Sociedades de Propósito Específico (SPE).

Com o caixa curto, o atual governo também vê a Previ como um parceiro fundamental para implementação de políticas de Estado, como a criação das chamadas empresas "campeãs nacionais", e para as concessões na área de infraestrutura, sobretudo no momento em que outros dois gigantes vinculados a estatais - Petros e Funcef - apresentam déficit em seus balanços.

Em nota dirigida ao Valor PRO, a Previ diz que o processo de seleção de conselheiros é "pautado por critérios técnicos e não considera a vinculação político partidária". Afirma também que "o processo é transparente, com pré-requisitos divulgados no site da entidade". O fundo nega a declaração de que houve flexibilização nos critérios de escolha para dar mais peso à experiência como dirigente sindical.

A Previ diz ainda que 93% dos conselheiros são ou foram funcionários de carreira do Banco do Brasil e que 85% possuem MBA ou pós-graduação em áreas como economia, administração, contabilidade, engenharia de produção, e 27% possuem mestrado ou doutorado.

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