terça-feira, 6 de maio de 2014

Raymundo Costa: Sem carta aos brasileiros

• Candidatura Dilma deixa implícita volta de Lula em 2018

- Valor Econômico

No momento em que o mercado especulava sobre a edição de uma nova carta aos brasileiros, a presidente Dilma Rousseff aproveitou o 1º de Maio para dobrar a aposta em seu governo e anunciar um pacote de bondades para os pobres e a classe média. Dilma vestiu azul e falou durante 12 minutos, em rede nacional, na contramão de quem diz que 2015 será um ano de ajuste.

A presidente deu o recado a seu eleitor que, segundo as últimas pesquisas de opinião, começa a lhe escapar por entre os dedos. Foi um recado forte, simbólico. Mas também passou uma mensagem ruim para aqueles que já estavam desconfiados dela e ajudavam a engrossar o coro pela volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Até entre colaboradores mais próximos da presidente que participam da discussão sobre o futuro governo, no caso da reeleição de Dilma, há um certo consenso de que está com os dias contados a atual fórmula de correção do salário mínimo - uma combinação da variação da inflação com a com o crescimento do PIB.

Por mais vago que seja o termo "valorização" do mínimo, os intérpretes oficiais da presidente asseguram que Dilma estava mesmo avalizando a manutenção da fórmula atual, consagrada numa lei que vence em 2015.

As palavras de Dilma não deixam muita margem para dúvida: "Algumas pessoas reclamam que o nosso salário-mínimo tem crescido mais do que devia (...) dizem que a valorização do salário mínimo é um erro do governo e, por isso, defendem a adoção de medidas duras, sempre contra os trabalhadores", disse a presidente. "Nosso governo nunca será o governo do arrocho salarial, nem o governo da mão dura contra o trabalhador".

O ajuste de 10% no valor do Bolsa Família, o que aumenta as despesas, e a correção em 4,5% da tabela do IRPF, o que diminui a receita, também não são propriamente iniciativas de quem pretende fazer um rigoroso ajuste fiscal no próximo ano. É um discurso que assusta os mercados, mas Dilma sabia disso e escolheu. Ela fez a opção de falar com o seu eleitor.

Correta ou não, do ponto de vista eleitoral da presidente e seus assessores, o fato é que Dilma apontou para outra direção, dobrou a aposta no seu governo e não deixou dúvida de que não se deve esperar dela uma carta nos termos que Lula foi constrangido a assinar em 2002 para acalmar uma banca inquieta com a iminente vitória do PT nas eleições.

As explicações no governo são de que não se deve comprar o discurso de Dilma pelo seu valor de face, o que está escrito e a presidente avalizou em rede nacional de rádio e televisão. Seria apenas uma manifestação sob medida para as eleições.

Pode ser. Pronunciamentos em rede dos presidentes não costumam render grande audiência, mas fornecem excelentes imagens para os programas do horário eleitoral gratuito. Na cúpula da campanha da presidente, no entanto, a fala de Dilma não surpreende: um novo governo do PT - é o que se diz - deve servir à "consolidação do modelo" posto em prática nos últimos 11 anos de governos do Partido dos Trabalhadores.

Os mercados podem não ter gostado do discurso de Dilma, até o PT tem razões para queixas, pois ao falar dos "malfeitos" a presidente não fez distinções, ao contrário, disse que não os iria tolerar "sejam eles cometidos por quem quer que seja". Mas o "Volta, Lula" foi enterrado no encontro do PT, no último fim de semana. Pelo menos para 2014, pois o que está implícito na confirmação da recandidatura da presidente da República é a candidatura do ex-presidente na eleição que escolherá o sucessor de Dilma, em 2018.

O PT não tinha como trocar de candidato, à esta altura, sem deixar subentendido que o governo Dilma era um fracasso. Isso deveria ter sido feito bem tempo antes. A mudança, agora, colocaria em risco o próprio Lula, um ativo que o partido não pode se dar ao luxo de desperdiçar. Havia também a vontade de Dilma. E Lula já tinha afirmado, com bastante antecedência, que se algum dia houvesse uma diferença entre ele e a presidente, a razão estaria com ela.

A nova arrumação do Palácio do Planalto, depois da reforma ministerial, tem sido elogiada até pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre os principais auxiliares de Dilma manifesta-se "alívio" pelo fim do fogo amigo. Os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Relações Institucionais) têm se entendido, ao contrário do que se previa inclusive no PT.

Em reunião recente, Lula ficou admirado quando viu Mercadante manter a defesa do PMDB, mesmo quando todos os demais integrantes da coordenação da campanha da presidente criticavam as chantagens e o inesgotável apetite fisiológico do aliado. Dilma chegou a reclamar da insistência do chefe da Casa Civil, mas o ministro rebateu dizendo que estava no cargo para dizer o que pensava. Com muita clareza: quando não é atendido, o PMDB espera um momento de vulnerabilidade do governo para apresentar uma conta dobrada.

A propósito do "Volta, Lula": em 2008, a discussão era sobre o terceiro mandato do então presidente da República. Por mais que Lula negasse a intenção de disputar um novo mandato, até parlamentares próximos a ele, como Devanir Ribeiro (PT-SP), hastearam a bandeira do continuísmo no Congresso. Em 2008, como agora, prevaleceu o que dizia o ex-presidente.

A reforma tributária ficou de fora do texto com as diretrizes para o programa de governo da presidente Dilma, apresentado no encontro nacional do PT realizado no fim de semana, mas deve aparecer com destaque na redação final, depois da consulta às instâncias partidárias. A reforma é considerada essencial na campanha de Dilma. A proposta deve abrir o debate sobre a redistribuição da carga tributária e apontar uma saída para as dívidas das prefeituras, esgotadas financeiramente e sem caixa para investimento.

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