domingo, 8 de junho de 2014

Ferreira Gullar: O acaso e o jogo

• O jogo é uma disputa contra o acaso, ou seja, contra a incontrolável probabilidade do imprevisível acontecer

Folha de S. Paulo - Ilustradas

Você certamente já ouviu alguém dizer que o futebol é uma caixinha de surpresas, ou seja, não se pode garantir que o time considerado melhor ganhe o jogo. Pode ganhar e pode perder.

Isso é verdade, mas há quem diga a mesma coisa do vôlei, do basquete, do tênis. Também é verdade, mas com a diferença de que, no futebol, há mais surpresas do que em outros esportes. A razão disso é que, nele, há mais gente jogando.

Não sei se me fiz entender, vou ser mais explícito: como no futebol há mais jogadores, é mais difícil pôr em prática o plano de jogo, uma vez que não só há maior possibilidade de erros como, por isso mesmo, há mais adversários para impedir que as jogadas se completem.

Logo, o resultado do jogo é menos previsível do que, por exemplo, no vôlei, com apenas cinco jogadores de cada lado, e menos ainda do que no tênis, com apenas dois jogadores. Em todos esses jogos pode haver surpresas, claro, mas é mais fácil prever e neutralizar a ação de cinco jogadores do que a ação de 11.

Por isso mesmo, como observei, certa vez, o saque, no jogo de vôlei, é mais favorável a quem o recebe, enquanto, no tênis, é mais favorável a quem saca.

A explicação desse fato está, também, na quantidade de jogadores em quadra, só que, neste caso, o número menor de jogadores torna mais difícil receber e devolver o saque (no tênis), enquanto, no vôlei, o maior número de jogadores torna difícil para quem saca vencer a defesa adversária e impedir o contra-ataque.

Em consequência disso, quando o saque é decisivo porque pode significar a vitória do adversário, o sacador o faz impetuosa e perigosamente, ainda que correndo o risco de sacar para perder a partida. Mas é uma das raras possibilidades do saque resultar em vantagem para o sacador.

Mas o que pretendo dizer com essas considerações é que o jogo, qualquer que seja ele, no fundo, é uma disputa contra o acaso, ou seja, contra a incontrolável probabilidade do imprevisível acontecer. E é claro que, quanto mais elementos (jogadores) estiverem em campo, mais difícil será reduzir a ocorrência do imprevisível.

E, no fundo, no fundo, essa é a função do técnico em qualquer que seja o esporte. Pense bem, não é isso que faz o técnico? Como se sabe, o objetivo do jogo de futebol é fazer gols e evitar levá-los. Logo, o esquema de jogo é montado visando esses dois objetivos, ou seja, atacar para fazer gol e defender-se do ataque do adversário que tem o mesmo propósito.

O técnico, portanto, organiza seu time, traça esquemas de ataque e defesa, contando com as qualidades técnicas e o talento de seus jogadores.

Trata-se, inevitavelmente, de um esquema ideal, apoiado em diferentes táticas, mas, sem dúvida alguma, contando com a ação do time adversário que, além de ter seu próprio modo de chegar ao gol, prepara-se também para anular o ataque inimigo, ajudado atualmente pelos recursos da tecnologia: a análise acurada das táticas do adversário, possibilitada pelo vídeo.

Não há dúvida de que esses recursos e o próprio desenvolvimento das táticas futebolísticas facilitam a tarefa dos técnicos. Não obstante, ainda assim, estão longe de conseguir anular os fatores imprevisíveis, que são inerentes à natureza mesma do jogo.

Ainda esta semana, estava eu assistindo a uma partida de futebol pela televisão, quando me chamou a atenção a quantidade de "desordem" que é inerente ao jogo: além do chute torto, da inesperada intervenção do jogador adversário, há os deslocamentos que não são previstos pelo técnico nem programados --nem poderiam ser--, e que podem resultar em gol.

A consequência disso, como já ficou dito, é que qualquer time pode ganhar ou perder uma partida, ainda que seja melhor ou pior que o outro, embora haja 22 jogadores em campo, tentando anular o acaso para que suas jogadas deem certo e o gol aconteça; se não o conseguirem, a culpa será sempre do técnico, que sem dúvida alguma, perderá o emprego. Já isso é coisa mais previsível no futebol.

Advirto, porém, que essa minha tese sobre o acaso no jogo não significa que o Brasil pode perder da Croácia. Em que pese a toda e qualquer teoria probabilística, a nossa vitória é certa e a taça do mundo é nossa, pois, com brasileiro, não há quem possa.

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