segunda-feira, 7 de julho de 2014

Para vice de Aécio, desejo hoje é de mudança

Aloysio: "O que era desejo de continuidade hoje se transformou em desejo de mudança. Isso se reflete na desagregação política do bloco de sustentação do governo"

• "[Dilma] Tinha tudo para enfrentar os gargalos das reformas, mas ela não conseguiu fazer isso"

• "[Aécio] Está aglutinando forças que querem mudança, gente que não quer mais saber do PT"

Raquel Ulhôa - Valor Econômico

BRASÍLIA -Se for eleito vice-presidente da República na chapa de Aécio Neves, correligionário e colega do Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) está preparado para exercer qualquer função no governo. "Sou clínico geral", diz, lembrando ter exercido diferentes cargos no Executivo, apesar da vocação parlamentar. Mas seu centro de interesse são as questões institucionais. Como deputado estadual, deputado federal e senador, sempre atuou nas comissões de Constituição e Justiça das respectivas Casas Legislativas.

Em entrevista ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, o senador afirma que, uma vez eleito, Aécio deve apresentar uma agenda legislativa robusta ao Congresso, incluindo todas as reformas que a presidente Dilma Rousseff "tinha tudo para enfrentar e não o fez" - como a tributária, a política, a (complementação da) previdenciária - e, entre outras medidas, um plano nacional de segurança pública.

Aloysio Nunes diz ter "couro duro", mas tem mesmo é fama de estopim curto. Em um episódio, teve bate-boca com a petista Gleisi Hoffmann no Senado. Começou quando o tucano disse que o governo Dilma Rousseff havia destroçado o setor elétrico. Gleisi classificou o comentário como leviano e cobrou respeito. Dedo em riste, Aloysio Nunes reagiu dizendo que a ex-ministra da Casa Civil não era superior a nenhum outro senador e não estava no Senado para "policiar ou ditar normas".

Em um vídeo divulgado na internet, ele insulta um blogueiro ligado ao PT, que o abordou no Congresso e perguntou sobre suposto envolvimento em esquema de cartel de empresas de transporte em São Paulo. Sobre isso, o senador diz ter sido provocado e admite ter exagerado na reação.

"Eu deveria ter adotado uma atitude zen. Infelizmente não existe ainda transplante de almas. Se pudesse, eu transplantaria a alma do Dalai Lama na minha", afirmou, em entrevista concedida ao ser anunciado como vice de Aécio.

Aos 69 anos, é formado em direito pela Universidade de São Paulo e bacharelou-se em economia na França, onde esteve exilado por 11 anos. Procurador do Estado de São Paulo, aposentado, foi deputado estadual e federal, vice-governador de São Paulo na gestão de Luiz Fleury Filho, chefe da Casa Civil do então governador José Serra e ministro da Justiça e secretário-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso. Em 2010 foi eleito senador com 11,2 milhões de votos.

Tem um passado político comum ao de Dilma, de militância em organizações clandestinas, inclusive armadas - da qual tem, hoje, visão crítica.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Quando vice-governador de São Paulo (1991 a 1994), o senhor acumulou essa função com a de secretário estadual de negócios metropolitanos. Se eleito vice-presidente, pretende cuidar de alguma área específica?

Aloysio Nunes Ferreira: O vice tem que estar disponível para colaborar com o presidente onde for mais útil. O vice-presidente do Luiz Inácio Lula da Silva, José Alencar, foi ministro da Defesa. Fernando Henrique até pensou em convidar Marco Maciel para ser ministro da Defesa. Maciel tinha uma função muito importante na articulação política. Michel Temer é um chefe de partido. Está [no governo] mais como representante de um partido importantíssimo para a sustentação do governo. Colaborador discreto, como é o jeito dele, mas basicamente é o ponto de equilíbrio do PMDB. Eu sou um homem vivido, já ocupei muitos cargos na minha vida, não tenho nenhuma ambição política pessoal. Quero ajudar o Aécio a ser um bom presidente.

Valor: A escolha do seu nome busca, entre outras coisas, reforçar a campanha tucana em São Paulo. Sua missão principal é a articulação política?

Aloysio: Tenho vocação parlamentar. Sou um parlamentar por vocação, por gosto, por prazer. Gosto da atividade política. Meu centro de interesse maior na vida parlamentar sempre foram as questões institucionais. Sempre integrei a Comissão de Constituição e Justiça, tanto na Assembleia Legislativa [de São Paulo], como na Câmara dos Deputados e agora, no Senado. A saúde das instituições é vital para que a gente tenha um país ordenado, desenvolvido, com um grau maior de civilização, tolerância, progresso material e cultural. Algo, aliás, que me preocupa no governo do PT. Sinto que há uma degradação da atividade política. O Congresso é mero apêndice do Executivo. Aqui só se tocam para a frente medidas provisórias. Os velhos vícios do patrimonialismo, da fisiologia - dos quais a presidente Dilma tinha tudo para se libertar -, acabaram enredando a presidente, principalmente agora, raspando o tacho do governo para conter aliados. Meu centro de interesse é esse. Mas já ocupei cargos executivos. Eu sou clínico geral.

Valor: Como um futuro governo do PSDB poderia estabelecer uma relação diferente com o Congresso?

Aloysio: Primeiro, tem que ter uma agenda legislativa robusta, consistente, relevante, para enfrentamento dos problemas nacionais. O governo tem um arsenal de instrumentos - desde a medida provisória até a iniciativa exclusiva em um sem número de matérias relevantes - e tem como constituir uma maioria sem precisar se rebaixar, se apequenar como o atual governo. O governo que não tem maioria [parlamentar] tem a opinião pública. O Fernando Henrique, eleito presidente, antes de tomar posse já tinha alinhavado as principais medidas legislativas, as reformas constitucionais que iria submeter ao Congresso. Reuniu os partidos e apresentou tudo. Ele se dirigiu à opinião pública mostrando a importância dessas medidas, que integravam o conjunto de ações que complementaram o Plano Real. O governo do PT não tem isso.

Valor: O ex-presidente Lula realizou algumas reformas.

Aloysio: O presidente Lula ainda começou o seu governo retomando algumas reformas que começamos no governo Fernando Henrique, como a da Previdência. Eu me lembro como se fosse hoje. O presidente pediu ao então presidente da Câmara que reunisse na sua residência oficial a bancada do PSDB e pediu nosso apoio. E nós o apoiamos.

Valor: Por que essa relação se deteriorou tanto no governo Dilma?

Aloysio: Porque não tem substância na ação do governo. A presidente Dilma tinha a faca e o queijo na mão. Se a gente não tiver a pretensão de imaginar que a história do Brasil começa a cada governo e olhar um pouquinho para trás, a gente vê que nós temos uma excelente plataforma institucional. Um marco de convivência política e de estímulo ao desenvolvimento social, que é a Constituição de 88. Fernando Henrique, com o Plano Real, além de derrotar a hiperinflação, solidificou a democracia. Resolveu problemas graves, mexeu em feridas abertas, como a questão dos desaparecidos, da anistia. Mas, fundamentalmente, [seu legado] foi a estabilização da economia e a consolidação da democracia, que, aliás, ficou exemplificada por uma transição exemplar, entre Fernando Henrique e Lula. O Lula teve o mérito, com seu extraordinário carisma político, de trazer para o centro da agenda política brasileira o combate à pobreza, a inclusão social. E a presidente Dilma, qual é o seu legado? Ela tinha tudo para enfrentar gargalos da reforma tributária, completar os temas pendentes da reforma da Previdência Social, liderar um processo de combate à violência, integrar os Estados num grande programa nacional de promoção da segurança pública. Tinha tudo para enfrentar o problema da infraestrutura, trazendo a iniciativa privada para participar, sob forma de concessões. Ela não fez nada disso. Não enfrentou o tema da reforma política, que ela se comprometeu a liderar no discurso que fez perante o Congresso no dia de sua posse.

Valor: Se vencer as eleições, como o governo do PSDB conseguirá tomar essas iniciativas, enfrentando a oposição do PT?

Aloysio: O ministro Gilberto Carvalho já disse: "Vamos fazer o diabo" [na oposição]. Logo ele... Mas eu acho que a experiência do governo, assim como a experiência da oposição, vai ajudando a limar determinados calombos da alma. Mas nós vamos respeitar a oposição. Não vamos fazer como o governo atual, que demoniza a oposição, tenta fazer psicanálise da oposição - nos chamando de pessimistas - e desencadeia ataques especulativos contra partidos de oposição para roubar seus parlamentares, como fizeram com o DEM e PPS.

Valor: Todos falam de reforma política, mas não existe consenso.

Aloysio: Quando falo de reforma política, para mim reforma política se chama voto distrital. Aumenta a relação do eleitor com o representante e a responsabilidade. É mais fácil cobrar. E leva ao enraizamento dos partidos políticos, dá consistência real aos partidos políticos.

Valor: E reeleição?

Aloysio: Sou favorável à reeleição. Eu manteria. O sistema é tanto mais democrático quanto maiores as opções oferecidas ao eleitor. E uma opção é reconduzir a pessoa que governou bem. Mas essa não é hoje a posição majoritária no Congresso. O próprio presidente Aécio Neves tem uma visão diferente. Mas vamos demonstrar agora, nas eleições, que mesmo com o uso da máquina pelo governo nós vamos ganhar.

Valor: Como o senhor vai atuar na campanha em São Paulo?

Aloysio: Eu vou fazer aquilo que for necessário, mas é natural que eu me movimente com mais desenvoltura no meu habitat, que é São Paulo. Mas é claro que vamos andar o Brasil inteiro. Uma projeção que hoje ainda é uma mera indicação, muito imprecisa, feita pelo Datafolha, daria ao Aécio, em São Paulo, uma diferença de 10 pontos em cima da presidente Dilma num eventual segundo turno. Mas ainda estamos muito longe. Isso apenas é uma tradução da rejeição da presidente Dilma pelo eleitorado de São Paulo. Agora, em relação a 2010, a diferença é da água para o vinho, porque as condições objetivas mudaram muito. O que era desejo de continuidade hoje se transformou em desejo de mudança na mesma proporção, mais de 70%. Isso se reflete na desagregação política do bloco de sustentação do governo. O primeiro sintoma mais evidente foi a candidatura do Eduardo Campos, do PSB. E, agora, o fato de que pedaços de partidos que apoiam o governo estão se desprendendo e se encaminhando em direção a forças oposicionistas no plano local.

Valor: Aécio soube aproveitar a desarticulação do governo?

Aloysio: Nós temos a habilidade do Aécio Neves, a parceria constante e estreita com Agripino [senador José Agripino, presidente do DEM e agora coordenador nacional da campanha]. Conseguiram, junto com o Solidariedade e agora com o PTB, traçar uma rede de apoios políticos nos Estados como nunca se viu. Uma situação subjetiva, de descontentamento, que levou à desagregação e foi aproveitada com muita competência pelo Aécio. E Aécio conseguiu a unificação do PSDB. O partido hoje está unido, numa aliança muito sólida com o DEM, que vem da convivência desses anos aqui na oposição.

Valor: Mas existe ainda certa desconfiança com relação ao engajamento do governador Geraldo Alckmin na campanha de Aécio, em reação à suposta falta de empenho do mineiro nas candidaturas a presidente dele e de Serra.

Aloysio: De jeito nenhum. Alckmin é um cara firme, nunca teve dois lados, desde os tempos de vereador, do MDB. É um cara muito correto. Não tenho dúvida do engajamento dele não.

Valor: A participação de Serra na disputa ao Senado sela o engajamento do PSDB paulista na campanha nacional do partido?

Aloysio: É natural que um homem do prestígio e da força política do Serra, não sendo candidato a presidente nem a governador, dispute o Senado. E não tenho dúvida nenhuma do empenho dele [para a eleição de Aécio]. Isso [suposta dúvida de tucanos quanto ao empenho de Serra na campanha de Aécio] não existe mais.

Valor: O fato de o candidato a vice-governador ser do PSB, o deputado Márcio França, que tem candidato a presidente, não afeta?

Aloysio: O vice terá pouca margem de manobra para fazer campanha. Claro que o PSB vai fazer campanha para Eduardo Campos. O PSB tem prefeitos de cidades importantes, como São José do Rio Preto, minha cidade natal, e Campinas, onde as eleições foram ganhas em aliança com o PSDB. Seria de estranhar se o PSB não acompanhasse o Alckmin. Mas o eleitor sabe. Nossas pontes com o PSB são boas, positivas. O voto que vai para o Eduardo Campos iria de qualquer maneira, tendo ou não o vice.

Valor: Esse sentimento de mudança que, segundo pesquisas, existe em relação à gestão federal do PT não existe em São Paulo, em relação ao governo tucano?

Aloysio: Não, porque, enquanto a presidente Dilma cai nas intenções de voto, Alckmin sobe. Além de fazer um governo bom, é incansável na atividade política, na comunicação. Na sexta-feira à noite, quando muito político está em restaurante, ele está inaugurando uma estrada no interior de São Paulo, comendo uma pizza numa vila na periferia. Hoje, as pesquisas mostram que ele tem uma capacidade muito grande de agregação, voto, apoio.

Valor: Qual a estratégia para a disputa contra Paulo Skaf, candidato do PMDB, que está se tornando o grande opositor de Alckmin?

Aloysio: Não há muita estratégia para um candidato à reeleição. É defender o seu governo dos ataques que virão e apresentar uma agenda para o futuro. Vai acontecer o seguinte: a oposição petista está minguando, pelo esvaziamento da candidatura Padilha [petista Alexandre Padilha, candidato a governador] e talvez a polarização se transfira para o Skaf. Não sei se haverá um ganho líquido do lado da oposição. Skaf conseguiu uma sustentação política forte e tempo de televisão. E tem recall. Mas a dificuldade do oponente do candidato à reeleição é a avaliação do governo. E a avaliação do Alckmin está muito boa.

Valor: Sua presença na chapa presidencial pode alimentar o uso do caso Alstom na campanha?

Aloysio: Eu não sou acusado de nada. Houve uma menção leviana a mim. Disseram que eu era amigo de um dos investigados, [o diretor da Procit, Arthur Teixeira]. Ora, conheci Arthur Teixeira quando era secretário de transporte metropolitano e tratava com ele, como tratava com todas as empresas do setor. Só isso. Não tem nenhuma acusação de suborno, nenhuma sequência disso, nenhum inquérito policial. O Rodrigo Janot [procurador-geral da República], quando o caso chegou a Brasília, não pediu que houvesse qualquer tipo de investigação contra mim. O ministro Marco Aurélio [Mello, do Supremo Tribunal Federal] mandou arquivar qualquer tipo de coisa em relação a mim, por não ter nada, apenas uma menção leviana. Se quiserem fazer CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] para investigar o assunto, que façam. Para mim é indiferente.

Valor: Assim como a presidente Dilma, o senhor teve uma militância em organizações clandestinas contra o regime militar. Hoje, o senhor tem uma visão crítica dessa atuação?

Aloysio: O meu inconformismo com a ditadura é um ponto fundamental na minha história pessoal, política. Isso marcou muito a minha vida. Me levou a uma condenação com base na Lei de Segurança Nacional e a viver como refugiado, fora do Brasil, durante 11 anos. Eu tive uma militância em organizações clandestinas, a maior parte no Partido Comunista Brasileiro. Minha cultura política evoluiu do leninismo para a concepção democrática do exercício do poder, da necessidade de amplas convergências. Eu entrei no PCB em 1964 e fiquei até acabar. E minha visão também se modificou. Agora, eu tive uma passagem pela ultra esquerda, de luta armada. Foi um momento na minha vida, a partir de 67 até 70. Hoje tenho uma visão profundamente crítica, porque, além de ser algo absolutamente inadequado para a realidade do país para a época, a concepção que sustentava esse tipo de construção era extremamente militarista. Não era democrática no exercício do poder e muito menos na estrutura da própria organização, que era vertical, autoritária. Uma tática absolutamente inadequada para as condições do Brasil. Imaginar que íamos trazer para o Brasil uma tática que deu certo na revolução cubana é algo irrealista. Mas na época eu acreditava. Costumo fazer as coisas conforme acredito.

Valor: O senhor foi preso, mas não sofreu tortura.

Aloysio: Fui preso várias vezes, mas no tempo de estudante. Nunca fui torturado. As minhas prisões ocorreram antes do AI-5. Naquela época havia habeas corpus e atividade da imprensa que podia denunciar prisões. A única coisa um pouco mais forte foi uma vez em que fui preso em frente à Faculdade de Direito, no Largo de São Francisco. Apanhei e me jogaram no camburão. Foi só isso. Mas nunca passei por uma experiência terrível como essa que a presidente Dilma passou. Mas acho que fiz coisas mais pesadas que ela. Mas, enfim, o fato é que não passei por esse suplício que ela passou.

Valor: É possível evitar a pecha de chapa de direita, já que Aécio está aglutinando as forças mais conservadoras?

Aloysio: [Aécio] Está aglutinando forças que querem mudança, gente que não quer mais saber do PT, que acha que a presidente Dilma não entregou o que prometeu. Uma presidente frustrante, que está nos condenando à mediocridade e por isso mesmo tem que sair. O PT é de esquerda? Me poupe.

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