quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Acima da média: Folha de S. Paulo - Editorial

• Ainda que pobre de propostas, primeiro debate entre candidatos a presidente representou avanço em relação às rotinas do gênero

O longo debate realizado anteontem pela TV Bandeirantes, avançando pela madrugada da quarta-feira, fugiu em parte da decepcionante rotina que se conhece em eventos dessa natureza.

Vinha sendo comum que tudo se transformasse num campeonato de memória, com cada candidato empilhando sequências de números e baterias de realizações, além das rajadas de promessas, destinadas antes a desnortear do que a esclarecer o telespectador.

Desse ponto de vista, o primeiro encontro presidencial deste ano mostrou-se mais "ideológico", no sentido positivo do termo. Foi possível vislumbrar como cada postulante se situa no espectro político --e mais precisamente em relação aos seus adversários.

Coube aos chamados nanicos o papel mais incisivo e, ao menos dessa vez, o comportamento folclórico habitualmente associado a candidaturas desse tipo não se fez notar com grande ênfase.

Eduardo Jorge (PV) propôs dois temas que os principais concorrentes gostariam de ver engavetados: a liberação do aborto e a descriminalização das drogas.

Numa associação curiosa, Levy Fidelix (PRTB) e Luciana Genro (PSOL) enunciaram o problema dos custos da dívida pública --algo de que os candidatos competitivos tampouco se empenham em lembrar. Quanto à reforma tributária, apenas o Pastor Everaldo (PSC) se dispôs a fazer proposta concreta.

Alvo natural dos ataques dos demais, Dilma Rousseff (PT) manteve-se na defensiva, mencionando a conjuntura internacional desfavorável que cercou seu governo, voltando a antigas críticas à gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e falhando na hora de apresentar perspectivas para os próximos quatro anos.

Aécio Neves (PSDB) assumiu com segurança, embora de forma um tanto contida, o lugar que lhe tocava na oposição à administração da petista; foi duro ao ressaltar recentes escândalos da Petrobras e citou alguns de seus feitos à frente de Minas Gerais, sem que o tenham contestado ou dedicado maior atenção.

Transitando com habilidade entre PSDB e PT, Marina Silva (PSB) elogiou a ambos; disse confiar que um eventual governo de seu atual partido poderia atrair os melhores nomes das outras agremiações. Com isso, tenta relativizar observações sobre a provável ausência de base parlamentar com que se defrontaria caso eleita.

Foi a vez de Aécio apontar o quanto pode haver de irrealista no discurso de Marina, insistindo na tese de que PT e PSDB refletem visões inconciliáveis de governo.
Seria impossível que um só debate resolvesse essa questão. Se a política brasileira se expressa num esquema bipolar ou múltiplo, isso o próprio jogo eleitoral dirá.

Programas de governo representam interesses, perspectivas, perdas e ganhos relativos para setores distintos --mas isso a maioria dos candidatos, em que pese o bom nível do debate de anteontem, prefere não admitir em público.

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