quinta-feira, 14 de agosto de 2014

César Felício: A morte da promessa

• Cria-se um vácuo não só na eleição deste ano, mas na de 2018

- Valor Econômico

A tragédia de Eduardo Campos é inédita na história eleitoral brasileira, o que torna difícil projetar seus efeitos políticos no futuro. O ex-governador de Pernambuco havia ingressado na corrida sucessória apostando em um cansaço do brasileiro na polarização entre o PT e o PSDB, o que foi potencializado depois da onda de protestos de junho do ano passado. Aécio Neves está abaixo do patamar atingido pelos tucanos em campanhas passadas e Dilma Rousseff enfrenta uma rejeição ao seu nome próxima à sua intenção de voto.

Sua possível substituição na chapa por Marina Silva atende a esta manifestação de fastio, de maneira muito mais eloquente que o dirigente do PSB, mas não possui os mesmos códigos e o mesmo simbolismo que Eduardo Campos tinha. Falta à terceira colocada nas eleições de 2010 a estrutura partidária que, ainda pequena, Campos construiu como cacique de uma legenda de porte médio e como fiador de acordos nos Estados com tucanos, pemedebistas e até petistas. Caso se torne a candidata, algo incerto enquanto esta coluna estava sendo escrita, Marina entra no espólio político de Campos, mas não necessariamente como a única herdeira, e sem que haja um inventariante.

O ex-governador pernambucano demonstrava confiança em uma improvável vitória, mas sabia que construía algo para o futuro. Dificilmente teria o mesmo destino de outros que tentaram a terceira via, como Ciro Gomes e Anthony Garotinho, confinados à política regional. Campos estabelecia acordos com os que se sentiam deserdados pela guerra entre petistas e tucanos, mas ancorado em terra firme. Foi o único que tentou romper a dicotomia que marca o Brasil sem trocar de partido. Seu desaparecimento cria um vácuo que move não apenas a eleição presidencial deste ano, mas a de 2018.

No retrospecto do país, o episódio mais semelhante à catástrofe desta quarta-feira foi vivido em 1998, em uma escala muito mais modesta à atual. Naquele ano, morreu de maneira súbita Luis Eduardo Magalhães, candidato a governador pelo PFL da Bahia, em um projeto que o levaria a disputar a eleição presidencial de 2002. O enfarte do então deputado em 1998, conjugado à doença e morte do governador paulista Mário Covas em 2001, contribuiu para desagregar a base de apoio de Fernando Henrique Cardoso. Mas o país não estava a menos de uma semana do início do horário eleitoral gratuito.

Muito se fala sobre o empobre- cimento da Argentina nas últimas décadas. De acordo com alguns analistas, seria o único caso do mundo de um país rico que deixou de sê-lo em um largo período de tempo. Esta não é a opinião de alguns estudiosos do caso venezuelano, outro caso notável de entropia no mundo econômico.

O fim do mês passado foi uma ocasião que levou os venezuelanos a meditar sobre a própria história. Não foi apenas a primeira guerra mundial que completou 100 anos na última semana de julho: também cumpriu um século a descoberta do petróleo na Venezuela, que jorrou pela primeira vez no dia 31 de julho de 1914, no poço de Zumaque. Hoje, o país é dono das maiores reservas de petróleo do mundo.

À época a Venezuela era um país de base agrária, centrado na exportação de café e governado por um militar ancorado na oligarquia rural. Em 56 anos, o país se tornou o de maior renda per capita no continente e deu início a um ciclo para criar alternativas à economia, com a implantação de um polo siderúrgico e a construção de uma hidrelétrica com mais de 10 mil MW de potência instalada. Do ponto de vista político, era o único regime civil, democrático e sem insurgências na América do Sul no início da década de 80. De lá para cá, o modelo se esgotou. Está esgotado há 31 anos, desde a primeira megadesvalorização do bolívar, em fevereiro de 1983.

Patriarca da esquerda bolivariana, com seus admiradores no Brasil, Hugo Chávez não pôde, ou não quis, deter o ciclo que levou a Venezuela a ter o menor crescimento do PIB entre os países da OPEP entre 1970 e 2010, segundo dados da ONU; e o segundo menor da América do Sul neste período, a frente apenas do Uruguai. Há 43 anos, a Venezuela e a Arábia Saudita tinham aproximadamente o mesmo PIB. Hoje, o PIB saudita é três vezes maior. "O socialismo do século 21 tem sido a exaltação do modelo anterior", comentou o economista venezuelano José Luis Saboin, autor do relatório "Depois de 100 anos de petróleo", divulgado pela empresa de consultoria Ecoanalítica.

Saboin relata como o dilema venezuelano foi agravado pela estratégia completamente pró-cíclica de diferentes governos na economia: nos períodos de bonança petroleira, o governo venezuelano de turno expropria empresas, aumenta a presença do Estado na economia e se fecha a investimentos externos. No momento que o petróleo cai, desacelera a produção e tenta captar investidores na baixa.

O último episódio foi protagonizado pelo próprio Chávez: entre 2004 e 2008, considerando o PIB ajustado pelos termos de intercâmbio, a Venezuela teve o espetacular crescimento médio de 14% ao ano, segundo Saboin, e o então presidente estatizou desde granjas até a exploração petrolífera. Em 2009, começou a reverter o processo e criou um regime para atrair investidores na área do petróleo, sobretudo russos e chineses. Os resultados até o momento foram modestos.

O que Saboin não explica é como o chavismo na Venezuela está conseguindo sobreviver ao seu criador. A explicação pode estar em outra base de dados. Nos 15 anos de "revolução bolivariana" na Venezuela, Chávez teve sucesso em reduzir de maneira acelerada os desníveis sociais do país. Sob reserva, integrantes do governo brasileiro admitem que neste aspecto a Venezuela teve mais resultados a mostrar que o Brasil durante os 11 anos de petismo.

A geração de riqueza está estancada, mas a capacidade de Chávez em reparti-la é o que explica a sobrevivência política do regime que arquitetou. De acordo com dados da Cepal, a parcela de 20% da população mais pobre passou a concentrar 6,8% da renda em 2012. Era 4,3% dez anos antes, um avanço de 58%. No caso brasileiro, passou de 3,4% para 4,5% no período, alta de 32%. O consumo diário médio de calorias por habitante era de 2,5 mil entre 2003 e 2005. Hoje é de 3,1 mil. No Brasil passou de 3,1 mil para 3,3 mil.

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