domingo, 17 de agosto de 2014

Ferreira Gullar: Bagunçou o coreto

• Pode ser que a candidatura de Marina introduza na disputa o fator emocional que estava faltando

- Folha de S. Paulo / Ilustrada

A notícia da morte de Eduardo Campos, na manhã da quarta-feira (13), sacudiu o país como um terremoto. Isso se deve, sem dúvida, ao fato de ser ele um dos principais candidatos à Presidência da República mas também à sua juventude, à sua personalidade positiva, envolta de um charme especial.

Para mim, pelas circunstâncias mesmas em que soube do fato, foi como algo absurdo, quase impossível de crer. Estava vendo na televisão a notícia da queda de uma aeronave, na cidade de Santos.

Ninguém sabia ao certo qual avião era aquele --diziam inicialmente que se tratava de um helicóptero. Mais tarde a Aeronáutica informava que o avião acidentado era um jato particular, que decolara do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.

O noticiário falava de algumas pessoas que haviam sido feridas pelo impacto do avião contra um prédio mas nada dizia a respeito de quem estaria dentro dele. Imaginei que o choque do avião contra o prédio fora tão violento que não dava para saber quantas pessoas estavam nele e muito menos quem eram elas.

Fui para o escritório, liguei o computador e fiquei ali durante algum tempo. Quando voltei à sala recebi o golpe: Eduardo Campos, candidato do PSB à Presidência da República estava no avião e havia morrido no acidente.

Mal acreditei no que ouvia o locutor afirmar. Ao aparecer o rosto de Eduardo na tela, não suportei, desliguei a televisão. "Mas que país louco é este nosso!", disse a mim mesmo, andando pela casa.

Tomei um gole de café, liguei de novo a televisão para saber os detalhes do que, de fato, ocorrera. Logo começaram os telefonemas de parentes e amigos, igualmente estarrecidos com a notícia.

Uma dessas pessoas achava que poderia ser uma sabotagem para matar o candidato, hipótese que descartei de imediato. Já outros cogitavam sobre consequências daquela morte na campanha eleitoral e no resultado dela.

Essa foi a primeira pergunta que me fiz, passado o impacto inicial da notícia. Que sua morte teria influência nas eleições de outubro era o óbvio, já que se tratava de um dos três principais candidatos.

Mas qual seria essa a influência e as consequências dela? Beneficiaria Dilma ou beneficiaria Aécio? Não era possível saber, mas o impacto emocional que aquela inesperada morte provocaria nas pessoas, pensei, talvez favoreça Aécio, o outro candidato da oposição. Dificilmente beneficiaria Dilma, contra cujo governo ele se manifestava a cada entrevista, a cada pronunciamento que fazia.

Mas surgiu outra hipótese: a candidatura de Marina Silva seria a substituição natural à de Eduardo Campos e poderia arrastar, emocionalmente, uma parte considerável do eleitorado, alterando significativamente a correlação de forças, levando quem sabe à derrota de Dilma.

Eram tudo suposições, uma vez que, naquele dia, nem Aécio, nem Marina, nem Dilma, nem ninguém de qualquer dos partidos políticos queria, naturalmente, tocar nesse assunto. Mas a questão estava sobre a mesa.

Tudo bem, aquele era um tema que iria dar muita discussão dentro do PSB e com o pessoal de Marina Silva. Também ninguém sabia que atitude tomaria a própria Marina. Se aceitasse assumir o lugar de Eduardo Campos, o futuro das eleições presidenciais seria imprevisível e perturbador.

Tanto Dilma quanto Aécio, na hipótese de Marina se candidatar, terão de rever seu projeto de campanha eleitoral. Digo isso porque, até aqui, um dos principais problemas dos candidatos é a indiferença de grande parte do eleitorado.

Quase a metade dele se mostra desinteressada das eleições, uma vez que nenhum dos candidatos tem conseguido empolgá-la.

É que nem Dilma, nem Aécio, nem Eduardo têm significado, para essa parte do eleitorado, a alternativa capaz de mudar de fato o rumo tomado pela política no país e impor-se como uma alternativa renovadora.

Em circunstâncias normais, tampouco Marina Silva representaria isso; no entanto, em face da morte trágica de Eduardo Campos, pode ser que a candidatura dela introduza no combate eleitoral o fator emocional que estava faltando. Mas uma coisa é certa: no primeiro turno ninguém ganhará as eleições presidenciais de outubro.

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