sábado, 30 de agosto de 2014

Miriam Leitão - Abalos sequenciais

-O Globo

Há muito tempo não se via uma semana com tanta notícia ruim na economia. Ontem, o IBGE divulgou o PIB negativo do segundo trimestre e revisou para baixo o dado do primeiro tri: recessão técnica. Também mostrou a indústria e o investimento se contraindo há um ano. Os números ainda estavam sendo assimilados quando o Banco Central anunciou mais um mês de déficit primário nas contas públicas.

A divulgação de dados preocupantes começou na segunda-feira, com a queda da confiança dos consumidores e um novo déficit na balança comercial. Depois disso, o país ainda tomou conhecimento da queda na confiança dos empresários da indústria, do setor de serviços, e o Banco Central avisou que as taxas de juros do sistema financeiro são as mais altas desde 2011.

O anúncio do PIB em recessão pelo IBGE foi apenas a formalização, por parte do instituto oficial de estatísticas, daquilo que várias entidades, economistas e empresários vêm dizendo sobre o país: estamos tendo um ano difícil.

Os feriados da Copa são a menor parte do problema. A fumaça está saindo do motor há muito mais tempo. As dificuldades são estruturais (vejam as notas abaixo), e não apenas interrupção da produção em dias de jogos. Também não se pode culpar a crise internacional porque vários países voltaram a crescer fortemente, como mostram números dos EUA, Inglaterra, Colômbia e México. O Brasil se aproxima de um grupo que é mal visto: Rússia, Turquia e África do Sul.

A combinação de baixo crescimento e deterioração das contas públicas aumenta o risco de corte da nota de crédito do país. Como estamos no primeiro degrau do investimento, uma nova queda significará um forte retrocesso, porque o Brasil voltará a ser considerado nível especulativo.

O tempo corre, e a necessidade de reversão da política econômica é cada vez mais urgente.

Sem poupança não há investimento
A lista de gargalos da economia brasileira é enorme. A taxa de poupança caiu a 14,1% do PIB no segundo trimestre, a mais baixa desde 2002. Já o déficit em conta-corrente, sinônimo de poupança externa, está em 3,5%. A soma dos dois índices (poupança interna mais poupança externa) não chega a 18% do PIB e é uma forte limitação para um país que precisa investir. Não à toa a taxa de investimento caiu para 16,5%, a menor desde 2007.

Inflação, imposto e dívida em alta
A inflação é alta mesmo com a atividade em queda, mostrando que o problema não é de fácil solução. A carga tributária em 36% do PIB é outro entrave. O governo não tem margem de manobra para arrecadar mais e combater o déficit nominal, que chegou a 3,84% em julho. A dívida bruta voltou a subir e chegou a 59% do PIB, quatro pontos acima de janeiro de 2011, quando a presidente Dilma tomou posse.

Com PIB forte haveria energia?
A escassez de água nos reservatórios e o uso permanente das termelétricas tornam a energia brasileira uma das mais caras do mundo, aumentando custos de produção. Não se sabe como estaria o fornecimento caso a economia estivesse tendo um ano forte em 2014. As estimativas de consumo estão abaixo do que foi projetado pelo setor.

Menos mão de obra disponível
A baixa taxa de desemprego é o melhor dado da economia, mas também significa uma dificuldade: o estoque de mão de obra disponível está menor. Se antes uma empresa aumentava facilmente seu quadro de funcionários, agora, terá que elevar a produtividade com treinamento e qualificação. Isso leva tempo e custa mais.

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