quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Rosângela Bittar: O voto tribal

• A nova política é, por enquanto, um slogan de propaganda

- Valor Econômico

O que a política quer saber é se o voto em Marina Silva, em crescimento desde a morte de Eduardo Campos, é ou não consistente. Pergunta-se se a candidata vai desinflar passada a emoção, a novidade, o protesto, e esgotadas as definições dos que não tinham candidato até agora.

Esta é uma resposta que não existe e talvez seja possível só com a análise da geopolítica dos votos na urna. Ninguém a tem, nem analistas de pesquisa, nem acadêmicos da ciência política, nem marqueteiros com responsabilidade de fazer propaganda para atrair o eleitorado. Políticos, então, estão perplexos.

O que se sabe é que é inútil procurar coerência ideológica e política, competência administrativa e de coordenação, opções de equipe e de projetos ou sinais de governabilidade na candidatura Marina Silva. Ela é, por enquanto, só sua própria imagem, faz questão de manter-se assim, com essa aura. Nem suas ideias são ainda expostas de forma a servir de justificativa para a atração. O voto em Marina é um voto tribal. De várias tribos.

A maioria delas não se comunica, atua de forma isolada. Podem até estabelecer uma disputa entre si ou se confederar, em algum momento, para ação em comum. Mas são estanques.

A começar pela tribo da imprensa, não ha ninguém que tenha melhor imprensa que Marina Silva. Está nesse universo, também de forma clara, o voto de protesto, o voto "contra tudo isto que está aí", que já foi de Fernando Collor de Mello e de Heloisa Helena. Junto a este, segue-se o voto na novidade viável, como foi o de Ciro Gomes. Tem o voto moralista, que desconhece contradições e não liga para a obscura história do jatinho do acidente de Eduardo Campos que Marina deveria ter explicado por tê-lo também usado. Há o voto religioso, o ambientalista radical, o crente na providência divina que não quer contrariar os desígnios que neste momento se revelam de uma concretude ímpar. Há lugar nessas intenções para o voto do pobre e do riquíssimo, o voto da democracia direta que a candidata defende e praticou, recebendo em sua passagem pelo ministério do Meio Ambiente as tribos que querem, por exemplo, fechar redes de TV. Há lugar para a zona sul do Rio, de cabeça moderna, e para os defensores da criminalização do aborto.

Não adianta procurar coerência nesta avalanche de intenções de voto em Marina. É o voto do conflito, da contradição, da encruzilhada. O voto em uma candidata para quem a nova política é um slogan de propaganda, também por enquanto. Que fez uma campanha para negar a política e os partidos, quando lutou para criar o seu. É verdade que sem empenho, pois não é compreensível que não tenha conseguido realizar seu desejo, com toda sua estrutura e apoio, quando um obscuro vereador do interior de Goiás criou o Pros num passe de mágica. Por que chamou o seu partido de Rede e faz questão de nominá-lo no feminino? Tratou-o como movimento, é uma questão da palavra, embora precisasse tanto de um partido que foi tomar um de empréstimo.

Nega o Congresso, mas sua coligação já está prometendo ações para as quais vai precisar do Parlamento, a menos que o substitua pela democracia direta. Para acabar com a reeleição precisará de articulação parlamentar. Para aprovar ou evitar a aprovação da emendas e projetos que favoreçam as tribos todas precisará se articular com os representantes do povo.

Marina Silva não conseguiu negociar com a cúpula do partido pelo qual se candidata. É uma incógnita o modo como vai se articular com a sociedade e o poderes da República. Sua relação é com pessoas, não com instituições.

Marina foge das questões concretas e a cada vez que foge parece angariar o apoio de mais uma tribo. É um assessor o designado para explicar o que vai fazer na economia, e até menciona conquista de partes dos partidos adversários, é outro que explica como ela vai se relacionar com o agronegócio. E nada combina com a pregação da candidata.

A adesão de Marina Silva a Eduardo Campos teve razões até hoje desconhecidas dos amigos e aliados políticos do governador pernambucano. Bem como a chave do equilíbrio dos dois partidos, a cargo de Eduardo. Quando os dois integravam o ministério de Lula, por exemplo, os embates maiores se davam em torno dos conselhos e assuntos que envolviam os ministérios do Meio Ambiente (Marina) e Ciência e Tecnologia (Eduardo). Era uma disputa mais forte do que a conhecida rivalidade com o ministério da Agricultura.

As diferenças eram tão evidentes que a explicação sobre sua opção pelo ex-ministro da Ciência e Tecnologia e pelo PSB como trânsito para o seu próprio arranjo partidário deve ter uma explicação que só ela agora poderia dar, mas não o faz. O PSB está todo com ela, onde mais teria a chance de conquista do poder em 2014?

Marina é adepta do assembleísmo, algo inimaginável na presidência. O cenário esta mudando rapidamente e vai aí mais uma razão da dificuldade de explicação do apoio que vem recebendo, da quantidade de grupos que se incorporam à ideia da alma gêmea que vai realizar o seu sonho de poder. Só não há dúvidas, por enquanto, sobre suas convicções democráticas.

Mas o que demonstrou na sua carreira política até agora é que pratica uma democracia excludente e paradoxal. A campanha é um teatro para ganhar. Como se vai governar é questão que não existe no antes.

O Volta, Lula, voltou, junto com a pesquisa de ontem do Ibope que aponta a derrota no segundo turno da candidata à reeleição, Dilma Rousseff. Síntese da avaliação na cúpula da campanha do PT:
"Há quatro meses nossa candidata era imbatível, há dois era favorita, hoje é competitiva". Dito isto, passou-se imediatamente à lembrança do que paira sobre todos os pensamentos: para alguns, mesmo falando no assunto proibido, é baixa a chance de Lula candidatar-se; para outros isso é questão de mais duas pesquisas. O que segura o ex-presidente é exatamente a falta de medida da consistência da onda Marina Silva.

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