sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Maria Cristina Fernandes: O favoritismo de Alckmin

• Tucano faz a política que se conserva contra a mudança

- Valor Econômico

No programa em que se apresentou ao eleitor de São Paulo, o ex-presidente da Fiesp e candidato do PMDB ao governo, Paulo Skaf, dizia, desenvolto, que nada tinha contra o governador Geraldo Alckmin. Definiu-o como um sujeito educado e simpático mas disse não entender seu modo de governar: "Meio frio, meio distante, acha sempre que está tudo bem, não enfrenta os problemas de São Paulo como um desafio pessoal, com garra, com tesão, como se fosse a coisa mais importante de sua vida".

Sem brigar com a estampa de bom moço do governador, a peça publicitária, veiculada em metrificado tom de desabafo, parecia talhada para disputar o alckmismo por dentro de sua base, um eleitor que rejeita CPMF, foi contra o aumento do IPTU na capital e só quer um Estado que não atrapalhe.

Alckmin, como a maior parte dos candidatos à reeleição, chega à reta final desta campanha sem que seu favoritismo seja abalado. Pode ser o primeiro tucano a realizar o sonho de Sérgio Motta de 20 anos no poder. É o que, somados seus mandatos como vice de Mario Covas, alcançará se for reeleito para mais uma temporada no Palácio dos Bandeirantes.

A recandidatura é talvez a mais importante, mas não encerra as razões de seu favoritismo. Alckmin amoldou-se como ninguém às mudanças de São Paulo na Federação. As ações previsíveis, o tom monocórdico e a capacidade de tranquilizar sem nada dizer parecem funcionar como um amortecedor no Estado que, nas últimas décadas, viu a economia e a renda de seu povo cresceram menos que a do país.

Não se conhecem iniciativas de Alckmin para tirar o Estado do sufoco do endividamento, responsável, em parte, pelo vagar de seu crescimento. Suas marcas são outras. O governador encarou como missão inarredável o pedido da família de Eduardo Campos pelas medalhinhas de seu cordão. Não sossegou até que o Corpo de Bombeiros, em busca incessante pelos destroços de Santos, as encontrasse.

O governador atencioso foi forjado numa política que se conserva contra a mudança. Enquanto sete em cada dez brasileiros devem ficar entre a guerrilheira e a seringueira, o mesmo percentual de votos em São Paulo ruma para um vereador do interior e um empresário. Há quase 30 anos o Brasil ainda estava sob o colégio eleitoral, mas a disputa em São Paulo foi protagonizada por outro vereador caipira, candidato da situação, e o dono de um dos maiores conglomerados industriais do país, que bradou numa candidatura tão bonapartista quanto a de Skaf a incompetência do governo de plantão.

Em 1986, o ex-vereador de Campinas, Orestes Quércia, e Antonio Ermírio de Morais dividiram os votos de quem via no Estado mais dinâmico a capacidade de oferecer um projeto de modernização para o país que emergia da ditadura. Seu mais emblemático representante, Paulo Maluf, ficou em terceiro lugar. Tirando o PT, que ameaça repetir, em São Paulo, a mesma fatia de votos de Eduardo Suplicy (11%), a divisão de votos hoje só mudou porque o vereador de Pindamonhangaba e o ex-presidente da Fiesp engoliram os votos do malufismo (19,5%). O mais legítimo herdeiro de Paulo Maluf, Celso Russomanno, foi devidamente cooptado depois das eleições de 2012 e hoje faz campanha ao lado de Alckmin.

Esse enraizamento do governador paulista na política interiorana (52% dos votos do Estado) sempre o antagonizaram com a ala de intelectuais e exilados do PSDB, capitaneada por Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Ao contrário destes, o governador foi derrotado em duas tentativas de ser prefeito de São Paulo e de chegar à Presidência da República, mas parece imbatível no manejo de uma máquina que mantém uma azeitada rede de prefeitos e vereadores.

O eleitorado de Alckmin, no entanto, ao contrário do que muitos dos estrategistas petistas parecem acreditar, não reproduz uma assembleia do Rotary de Pindamonhangaba. O governador é o preferido dos mais pobres e menos escolarizados, exatamente como a presidente Dilma Rousseff. A diferença é que seu governo é aprovado por 46% dos paulistas enquanto o de Dilma, no Estado, colhe o beneplácito de 26%.

E de onde vem essa aprovação se os hospitais têm filas, os alunos passam de ano sem provar que aprenderam e a corrupção nos transportes se proliferou com muito mais rapidez que os ramais do metrô?

Dilma colhe, no país, um patamar de aprovação próximo ao de Alckmin graças ao baixo desemprego e aos programas sociais. As políticas federais podem não ser suficientes para reelegê-la porque elevaram o patamar de exigência de quem delas se beneficiou, mas preencheram a ausência de Estado em muitos cantos do país. O Estado que só agora chega em rincões já existe em São Paulo e foi construído com a participação de Alckmin - ou conivência, diriam os petistas se o termo não tivesse ficado tão batido depois do mensalão.

A chamada classe média emergente que agora migra para planos de saúde enfrenta filas em hospitais privados que pintam de nostalgia a lembrança dos hospitais públicos paulistas. As escolas são ruins mas não impedem os alunos da periferia de ingressar nas faculdades de terceira linha que se proliferaram nos últimos anos, ou no ensino técnico, o mesmo que Dilma agora espalha pelo Brasil com mais rapidez que as vagas no ensino superior.

E, por fim, Alckmin tem a sorte de não chover em São Paulo. Já falta água em muitos lugares mas a população vê que a chuva tarda. A oposição se esgoela para explicar que os canos, sem investimento, perdem 35% de sua vazão em desperdício, mas tem menos sucesso que o didático Alckmin em sua diuturna tarefa de convencimento de que a providência é divina.

A empresa de saneamento de São Paulo, é uma das maiores do mundo. Assim como as ações da Petrobras, as da Sabesp só caem mas, ao contrário daquela, a queda não está relacionada à perspectiva de reeleição do governante. A empresa desperdiça sua principal matéria prima e vê minguar a venda de seu escasso produto. Só sobrevive porque tem o Estado como acionista. Seus analistas asseguram que se o PT tivesse chance de ganhar seria pior. Talvez esteja aí um bom começo para entender as disputas num Estado em que mercado e eleitor parecem convergir.

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