sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Míriam Leitão: Inflação a gosto

- O Globo

O IPCA a ser divulgado hoje vai manter a inflação em torno de 6,5%, mesmo com toda a ajuda que está sendo dada pelo grupo alimentação. A persistência do índice mostra que não basta sentar e esperar pela queda dos preços. Depois de doses fortes de juros, tudo o que se consegue é evitar o pior. Assim, ela fica no teto e, de vez em quando, acima desse limite.

O clima que reduziu o nível de água nos reservatórios manteve a produção de verduras e legumes e os preços de vários produtos caíram. O preço da soja está desabando no exterior e, se isso atrapalha a vida dos produtores e da balança comercial, para a inflação tem efeito positivo. Caíram também as cotações de milho e trigo porque a safra americana foi boa. Tudo isso ajudou o grupo alimentação a ficar bem comportado.

A decisão do Banco Central de manter os juros é fácil de entender, mesmo fora do contexto eleitoral. O nível de atividade está fraquíssimo. A economia não cresceu no primeiro semestre, o investimento cai a quatro trimestres, o consumo perde a força e a indústria está em recessão. Depois de ter elevado a taxa de juros por nove reuniões consecutivas, e com a economia estagnada, o BC aguarda que o efeito do aperto monetário acabe produzindo alguma redução da inflação. Mas o BC sozinho não pode fazer todo o trabalho.

Não foi a taxa de juros que derrubou o crescimento. No máximo, pode-se dizer que a política monetária ajudou a reduzir a aceleração inflacionária. O que diminuiu a taxa de crescimento foi a incerteza provocada por uma política econômica que achou que poderia reinventar a roda e a matriz macroeconômica, e só deu sinais contraditórios. A política energética bateu o último prego no caixão do crescimento de 2014. Sem informação concreta sobre como vai evoluir os preços da energia, muitos empresários deixaram de investir.

Outros preços podem ter ajudado a inflação a ficar, em agosto, entre 0,20% e 0,25%, no cálculo do professor Luiz Roberto Cunha. Ele acha que o efeito reverso da Copa, em alguns produtos e serviços, deve ter ajudado, ou seja, eles subiram muito antes da Copa e caíram em julho e agosto. Mas a energia, que no IPCA-15 havia subido fortemente pelos reajustes da Eletropaulo e Copel, deve continuar pressionando. A energia subiu muito este ano - com elevações de 20%, 30% ou mais - mas não é ainda o efeito do custo extra de 2014. A maior parte do impacto das confusões dos últimos meses será sentido em 2015 porque assim estabelece a regulação.

No fim do ano passado houve um choque agrícola e o governo aprovou um aumento da gasolina. Isso fez com que o número de dezembro chegasse a 0,92%.

- Em 2014, não se espera um novo choque agrícola e o governo deve aproveitar o espaço para corrigir os preços da gasolina e assim fortalecer a Petrobras. Isso reduziria um pouco a defasagem dos preços - diz Luiz Roberto Cunha.

O grande mistério em relação à inflação é por que ela permanece tão resistente no teto da meta, apesar da taxa de juros, do enfraquecimento da economia, da ajuda do grupo mais problemático, que são os alimentos, e até da repressão de preços administrados?

O governo deu sinais, por tempo demais, de que mirava não o centro, mas o teto da meta. A economia inteira passou a olhar para os 6,5% e não para os 4,5%. Isso impediu que a faixa de flutuação fizesse o efeito de amortecer os choques. O aumento do gasto público fez o resto. A deterioração dos indicadores fiscais, pelo uso abusivo de truques contábeis, aumentou a incerteza e a falta de confiança na política econômica.

A leniência com a inflação é um erro para não se cometer no próximo período presidencial, seja qual for o resultado da eleição. Em 2002, a taxa subiu pelo efeito da alta do dólar, afetado pelo temor de mudança na política econômica. Quando o ex-presidente Lula manteve as bases da política e engavetou o programa econômico redigido pelos seus economistas, o dólar cedeu e a inflação, também. Agora, o dólar está subindo menos, pela ação do Banco Central que há um ano entra fortemente no mercado. A tendência, em 2015, no entanto, será de alta da moeda americana por razões externas. Isso torna essa resistente inflação mais difícil de combater. Não será fácil corrigir os erros acumulados nos últimos anos.

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