terça-feira, 23 de setembro de 2014

Míriam Leitão: Órgão vital

- O Globo

O que a presidente Dilma Rousseff quis dizer, quando falou em um "erro banal" do IBGE, é que a confusão feita pelo instituto foi em uma rotina estatística relativamente simples. Mas a reação dela, quando ficou sabendo do erro por um telefonema da ministra Miriam Belchior, foi chamá-la imediatamente ao Palácio para uma conversa. E a presidente considerou grave o erro do IBGE.

"Fui presidente de um instituto de pesquisa, não consigo entender como foi cometido um erro desses", disse a presidente Dilma Rousseff.

O que deixou o governo aliviado foi saber que o erro foi detectado por consultoria e institutos privados. Ela nega com números e mais números que haja sucateamento do IBGE, mas o corte que houve recentemente no orçamento pedido pelo instituto para pesquisas no ano que vem foi de 73%. Isso levou à suspensão de duas pesquisas, uma delas a importantíssima Contagem da População, e conspira contra a ideia de que houve aumento de meios e recursos humanos no órgão.

O IBGE é fundamental ao Brasil. Sem suas pesquisas, não é possível entender o que se passa num momento de rápidas transformações para nós; não é viável fazer políticas públicas que vão diretamente ao ponto das nossas fragilidades. Ele é órgão de Estado, com seus 77 anos de serviços prestados. No mais, qualquer processo estatístico tem que ter aperfeiçoamentos constantes.

Esse erro assustou todo mundo porque normalmente essa é a grande pesquisa do instituto, depois do Censo. É um trabalho de equipe. Passa por revisões. O IBGE divulga com embargo de dois dias para os jornalistas. O governo recebe junto com a imprensa. E deve ser visto com a serenidade e seriedade necessárias para não afetar ainda mais a credibilidade de um órgão tão vital ao nosso organismo.

Nem há indícios de que o erro foi produzido para prejudicar o governo; nem há sinais de que a correção foi imposta pelo governo por causa do calendário eleitoral. O IBGE não divulga números para atender a uma gincana entre os contendores no campo eleitoral. Seus dados ora são usados pelo governo, ora pela oposição.

A direção do Ipea nos governos do PT passou a produzir estudos para provar os pontos das políticas públicas, quando sua função era mais alertar para seus riscos e problemas ou sobre a conjuntura social do país. Muitos quadros de excelência do Ipea continuaram fazendo esse trabalho, independentemente do partidarismo da gestão Marcio Pochmann e da visão triunfalista do período Marcelo Neri. O Ipea mais ajuda quando aponta erros e critica, porque para ser esse contraponto é que ele foi criado e o exerceu até em épocas do autoritarismo.

O IBGE continuou protegido pela tradição de independência do órgão testada em governos diferentes. Esse erro o enfraquece, não tapemos o sol com a peneira. Saber as razões do erro é importante, mas a criação de comissões não pode ser uma forma de, indiretamente, intervir no órgão. É extremamente perigoso passar a ideia de um instituto de estatísticas sob intervenção porque lembrará a Argentina. Os governos Kirchner destruíram a credibilidade do Indec. O Brasil deve aprender com os argentinos sobre o que não fazer.

Nos dias anteriores à divulgação, o ministro Marcelo Neri disse que no Brasil a desigualdade estava caindo todos os meses em 2014. Em palestra, disse: "Ao longo de 2014, mês após mês, o Gini caiu como um relógio, 0,1 ponto por mês." Usou para isso dados da PME. Com a greve no IBGE, o que era limitado ficou incompleto. A Pesquisa Mensal de Emprego informa apenas sobre seis capitais. A PNAD vai ao Brasil todo. A PME vai acabar, a PNAD passará a ser mais constante. Com a greve resultante da tentativa de adiar a PNAD Contínua, a PME divulgou dados parciais. Isso não dá a ninguém a certeza de afirmar que a desigualdade vem caindo em bases mensais, até porque esse é um processo longo.
A desigualdade é mal medida e subestimada no Brasil. Capta as desigualdades no mercado de trabalho, e depois inclui rendas como aluguel e pensões, mas não chega a ser o retrato fiel da grande distância entre os muito ricos e os pobres no Brasil.

O importante seria aproveitar esse momento para fortalecer o IBGE, do qual precisamos hoje, e sempre para informar ao Brasil sobre o caminho que ele terá que seguir até realizar seu projeto de desenvolvimento econômico e social.

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