domingo, 14 de setembro de 2014

O PT passa o trator. E Marina resiste

• Apavorados diante da perspectiva de deixar o poder, petistas adotam a tática de atacar Marina Silva a qualquer custo. O resultado é uma campanha como nunca antes se viu neste país

Daniel Pereira e Mariana Barros Revista Veja

A decisão do PT de passar o trator em Marina Silva foi tomada no dia 1º de setembro em um jantar no hotel Unique, em São Paulo, logo depois do segundo debate entre os candidatos à Presidência, no SBT. Estavam à mesa a presidente e candidata do partido, Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula, o marqueteiro João Santana, o ex-¬ministro Franklin Martins, o ministro Aloizio Mercadante e o presidente do PT, Rui Falcão. Juntos, chegaram à constatação de que o fenômeno Marina era bem mais sustentável do que parecia a princípio.

Se nada fosse feito, concluíram, Marina Silva estaria sentada na cadeira de presidente da República pelos próximos quatro anos. "As pesquisas mostravam isso", disse a VEJA um ministro do governo. "Não tínhamos alternativa a não ser partir para cima com tudo." Àquela altura, a candidata do PSB aparecia empatada com Dilma no primeiro turno e 10 pontos à frente no segundo. Lula resumiu o clima reinante e deu a ordem de marcha: "Precisamos reagir e reorganizar a tropa".

Como sempre nesses casos, com uma equipe azeitada, acostumada a trabalhar em conjunto há muitas campanhas e conhecedora dos limites éticos, ou da falta deles, não foi preciso ser muito explícito sobre o que precisava ser feito. O próprio diagnóstico do problema embutia sua solução. Marina tinha virado uma entidade sagrada, uma combinação de espírito da floresta com o espírito do capitalismo, metade Chico Mendes, metade Steve Jobs. Decidiu-se que o processo de destruição da candidatura Marina seria eufemisticamente chamado de "dessacralização".

Logo a máquina de propaganda petista, comandada pelo veterano e medalhado publicitário João Santana, mostrou a que viera. Em menos de uma semana o resultado começou a aparecer no programa eleitoral de Dilma e nas inserções de televisão e rádio. Nunca se viu na história eleitoral deste país uma combinação tão violenta de mentiras, falsificações, manipulações, exageros e falsas acusações como a despejada pelo PT sobre Marina.

A campanha eleitoral de Dilma deixou de lado todos os escrúpulos, esqueceu o debate de ideias e propostas, ignorou, enfim, as decências mais básicas da convivência civilizada entre adversários. Marina foi vestida, então, com o traje da ignomínia e da vergonha que o partido já colocara antes em todos que haviam ousado se interpor entre o PT e o poder. A linguagem da campanha petista contra Marina adotou métodos de "dessacralização" com eco nas campanhas de erradicação do pensamento da Revolução Cultural de Mao Tsé-tung.

No programa de Dilma, Marina passou a ser mostrada não como uma candidata sem propostas muito claras e, portanto, difíceis de ser avaliadas e refutadas. mas como uma força aniquiladora e desumana. Não é que a proposta econômica de Marina fora descrita como inadequada para o Brasil ou até boa mas inaplicável. Isso seria elogio. Na campanha do PT. a política econômica de Marina eqüivaleria a levar os pobres a passar fome. Em um filmete, por meio de um truque de mágico do interior, os pratos de comida desapareciam da mesa diante dos olhos dos esfomeados. Em outro, caricatural, atores fazendo o papel de banqueiros e capitalistas sinistros, mostrados como amigos de Marina, combinavam maldades contra o povo. Marina foi acusada de planejar acabar com o pré-sal e, assim, tirar da educação 1,3 trilhão de reais.

Marina foi comparada a Jânio Quadros, o presidente louco que planejou invadir a Guiana e, numa tentativa tonta de obter poderes ditatoriais do Congresso, renunciou, lançando o país em crise profunda, cujos reflexos são sentidos até hoje. Os petistas insinuaram que ela era um Collor de saia, mas Lula mandou cortar essa parte. Fernando Collor, o presidente apeado do poder por corrupção pelo Congresso Nacional, é hoje totalmente identificado com o lulopetismo. São unha e carne.

Sem a estrutura nem a experiência da máquina de João Santana, que já elegeu seis presidentes no Brasil e no exterior, o campo de Marina ficou tão paralisado e perplexo diante dos ataques que até parecia que ela estava adotando a "resistência pacífica", a forma de luta de Mahatma Gandhi e de outros profetas da não violência. O sociólogo Diego Brandy, responsável pela propaganda de Marina, caiu de paraquedas na marquetagem política. A verba de que ele dispõe é tão curta que, para economizar, os vídeos que ocupam o parco 1 minuto e 49 segundos do programa da candidata na televisão nem sequer passam pelas obrigatórias pesquisas qualitativas. "Não dá para comparar com a campanha do PT. É como o River do Piauí contra o Barcelona", diz um dos responsáveis pela campanha.

Enquanto isso, ao bunker dilmista começaram a chegar os primeiros e animadores resultados da ofensiva. Com base em pesquisas com pequenos grupos, atribuiu-se ao vídeo que dizia "Ser contra o pré-sal é ser contra o futuro do Brasil" o fato de Dilma ter ultrapassado Marina no Rio de Janeiro, estado produtor de petróleo e o terceiro maior colégio eleitoral do país. Na seqüência vieram dois filmes de mesma matriz e inspiração. O primeiro dizia que a proposta de conceder autonomia ao Banco Central iria dar poder desmedido aos banqueiros, enquanto a tela mostrava uma família vendo a comida desaparecer de seus pratos. O segundo dizia que a candidata iria tirar dinheiro da educação. No vídeo, novamente, crianças viam sumir as letras das páginas de seus livros. A rusticidade da mensagem, para não falar na sua desonestidade, tem o propósito de atingir sobretudo a classe C emergente no que é um dos seus principais temores: perder o poder de consumo recém-conquistado.

A artilharia vai continuar. Um novo "cardápio de infâmias" já está sendo estudado. Para ampliar a vantagem de Dilma no Nordeste, o PT pretende dizer que Marina esvaziará os bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal — o que, dirá o PT, afetará o programa Minha Casa, Minha Vida. Outra ideia será afirmar que, se eleita, Marina vai quebrar as indústrias e derrubar os investimentos e o emprego. O pretexto para esse ataque é uma frase de Eduardo Giannetti, conselheiro de Marina para a área econômica, que, em entrevista, disse: "Acho que a indústria deve se preparar para uma operação desmame. Ela está acostumada a chorar e ser atendida". Em outras palavras, Giannetti disse a mesma coisa que Armínio Fraga — o grande nome da área econômica de Aécio Neves —, para quem a economia brasileira está na UTI "e precisa ser desentubada aos poucos". São constatações óbvias de que algo precisa ser feito pois, embora tenha sido amamentada e mantida em estado artificial de vida pelos tubos de Brasília, a indústria brasileira está em ruínas.

Marina vai tentar fazer de sua fraqueza um trunfo e continuar repetindo que é alvo de "dois partidos que se uniram" para "uma batalha de Golias contra Davi". Sim, ela se sentiu ferida também pelas críticas de Aécio Neves.

Ataques como os que vêm sendo feitos pelo PT contra Marina são um ponto fora da curva na história das eleições brasileiras. Um estudo do cientista político Felipe Borba, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que analisou a propaganda política em todas as eleições presidenciais de 1989 a 2010, constatou que o candidato que está na frente utiliza em média 3% de seu tempo na TV para bater nos adversários. Levantamento feito por VEJA, com os mesmos critérios utilizados por Borba, mostra que, desde 2 de setembro, Dilma utilizou 15% de sua propaganda para atacar Marina — cinco vezes a média histórica dos líderes da disputa.

No fim da semana passada, surgiram sinais de que Marina, "como os caules dos lírios que se dobram ao vento mas não se quebram", resistira bem à campanha de dessacralização. Diz Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha: "Foi a primeira vez que Marina foi exposta em campanha a ataques tão intensos. Mesmo assim, conseguiu manter-se no mesmo patamar, já que oscilou para baixo dentro da margem de erro".

Um comentário:

Anônimo disse...

A Veja, Folha, Estadão e Globo vem passando o trator no governo do PT a mais de uma década mas isso ninguém comenta.

É interessante observar que mesmo com tantos tratorassos primeiro no Lula e agora na Dilma esses governantes continuam mantendo apoio de grande parcela da população.

Deve ser triste para esse grupo de reacionários constatar que mesmo após tantos massacres e até ser dado como morto algumas vezes o PT tal qual uma Fênix sempre renasce das cinzas...