quinta-feira, 23 de outubro de 2014

CVM investiga Petrobras em meio a escândalos

• Órgão regulador do mercado de capitais abre processo para apurar denúncias da Lava-jato

Rennan Setti e Bruno Rosa – O Globo

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), xerife do mercado de capitais brasileiro, abriu um processo administrativo para investigar a Petrobras. Embora a CVM não informe o motivo da investigação - alegando que "não comenta casos específicos, inclusive para não afetar negativamente trabalhos de análise" -, uma fonte ligada à estatal informou que o objetivo do processo é tomar ciência das denúncias surgidas com a Operação Lava-Jato, da Polícia Federal.

- A CVM abriu esse processo para tomar pé de tudo o que está acontecendo com a Operação Lava-Jato, já que há uma investigação em curso, envolvendo vários órgãos. Esse é o objetivo - disse uma fonte ligada à estatal.

Já fontes próximas à CVM disseram que, mesmo sem ter instaurado processos sancionadores até então, o órgão já vinha apurando as denúncias surgidas na Operação Lava-Jato. Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras preso na operação, aceitou fazer acordo de delação premiada e contou que o dinheiro da estatal era desviado para pagar propina a políticos de PT, PMDB e PP.

Na última sexta-feira, a Petrobras esclarecera, em resposta a um ofício da CVM que pedia informações sobre os crimes denunciados na Lava-Jato, que constituiu comissões internas para averiguar indícios de irregularidades na empresa. Além disso, a companhia afirmou que requereu acesso aos autos da operação - o que foi deferido pela Justiça -, e que solicitou acesso ao conteúdo da delação premiada do seu ex-diretor Paulo Roberto Costa - o que ainda não foi deferido pelo Judiciário.

Estatal na mira da SEC, nos EUA
A abertura do processo, de número RJ-2014-12.184, foi requerida na segunda-feira pela Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da CVM. A apuração tem caráter preliminar e, caso se identifiquem irregularidades, dará origem a processo administrativo sancionador, que pode resultar em punições para a companhia.

- A impressão que dá é que a CVM se sentiu pressionada a abrir uma investigação depois que a SEC (Securities and Exchange Commission, o órgão regulador do mercado financeiro dos Estados Unidos), começou a apurar a conduta da empresa - disse um gestor, que preferiu não ser identificado.

Na semana passada, a consultoria política Arko Advice havia divulgado que a Petrobras é alvo de investigação semelhante nos Estados Unidos. A SEC, porém, não informa quais empresas estão sob investigação. A estatal possui recibos de ações (ADRs, American Depositary Receipts) negociados na Bolsa de Nova York, e por isso está submetida também às leis do mercado acionário americano.

A investigação seria preliminar e contaria com 28 advogados e analistas da SEC e do Departamento de Justiça dos EUA. A depender do resultado da apuração, a Petrobras responderia não apenas por irregularidades no mercado acionário, mas também criminalmente, além de estar passível de cobrança de multas - as leis americanas preveem punições à corrupção, mesmo que ocorrida fora do país.

- A CVM não é a Polícia Federal, ela não tem como objetivo apurar se houve crimes na empresa, mas se as informações prestadas pela companhia em balanços financeiros e comunicados estão corretas. Então, a investigação é positiva, porque trará mais transparência à companhia - disse Rogério Freitas, da gestora de recursos Teórica Investimentos.

Procurada, a Petrobras não se manifestou sobre o processo aberto pela CVM.

Em fevereiro, a CVM já havia arquivado sua investigação sobre as supostas irregularidades na compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), feita em 2008. A apuração foi iniciada após queixas de acionistas da estatal. A autarquia não deu continuidade ao caso porque as possíveis irregularidades no negócio já haviam prescrito - o prazo de ação do órgão é de cinco anos após a ocorrência dos fatos.

Em carta, Conselheiro critica auditoria
Mas, segundo fontes próximas à CVM, o órgão está acompanhando de perto todas as denúncias surgidas com a Operação Lava-Jato porque, caso a investigação descubra que houve, de fato, crime na aquisição da refinaria americana pela Petrobras, o órgão poderá reabrir o caso. Isso porque, em casos de crime, o prazo de prescrição é maior.

Ontem, em carta aberta, Silvio Sinedino, membro do Conselho de Administração da Petrobras eleito pelos funcionários, afirmou que a estatal deveria identificar funcionários envolvidos nas fraudes. Ele ressaltou ainda que há indícios de corrupção na gestão da petroleira.

"Como entender que a Auditoria Interna não tenha sido capaz de identificar nenhum desses desvios? Eram mesmo indetectáveis?", destacou Sinedino, que também é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet). "Se o esquema de corrupção existiu, e tudo indica que sim, com certeza há outros petroleiros envolvidos, ou alguém acha que é possível que seja armado um esquema de desvio gigantesco de valores por uma única pessoa e que não desperte a atenção de ninguém?"

Nenhum comentário: