terça-feira, 21 de outubro de 2014

José Casado - E a vida real, presidente?

• A cinco dias da votação os eleitores não têm a menor ideia de como o próximo presidente imagina fazer na crise de água e de energia, no caos da saúde e do saneamento público

- O Globo

A vida real começa na próxima segunda-feira. O presidente eleito deverá enfrentar um cenário de emergências urbanas e rurais. Seus efeitos só podem ser parcialmente mitigados, mas, se não houver eficiência na resposta imediata, poderá resultar em pesado ônus político logo na estreia do novo governo.

Falta água em uma de cada três cidades brasileiras. Das margens do Tietê, em São Paulo, até à beira do Riacho do Sangue, no interior do Ceará, sobram sol, plantações dessecadas, desemprego na agroindústria, torneiras sem água e esperança com arribações de verão.

As chuvas não devem demorar, mas serão insuficientes para assegurar a reposição dos reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste até o nível mínimo (42%) necessário para garantir o abastecimento de energia — avisam diferentes institutos meteorológicos.

Significa que o presidente eleito no domingo corre o risco de atravessar o primeiro semestre de 2015 no papel de gerente de um racionamento de água e de energia no Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Crises dessa natureza costumam impor um alto custo político aos governantes de plantão.

Aécio Neves e Dilma Rousseff sabem que racionamento de energia ainda não aconteceu porque caiu o consumo nacional, em decorrência da estagnação da economia e da grande elevação nas tarifas cobradas à indústria, o maior consumidor.

Não há discurso que resolva a seca na Bacia do São Francisco, fonte de abastecimento para 521 municípios (10% do território nacional), ou o esgotamento dos reservatórios de usinas hidrelétricas no Paraná, em São Paulo e em Minas Gerais. Em outubro do ano passado estavam cheios em mais da metade. Agora, a água disponível mal ultrapassa 20% da capacidade de armazenamento.

A abstração da crise de água para consumo humano e produção de energia, assim como o caos no sistema saúde e saneamento público, foi um dos aspectos mais curiosos dessa campanha eleitoral caracterizada por golpes abaixo da linha do intelecto.

A cinco dias da votação os eleitores não têm a menor ideia de como o próximo presidente imagina fazer para lidar com:

a) a escassez de água nas torneiras e nas usinas hidrelétricas;

b) a crise no Sistema Único de Saúde, do qual dependem oito em cada dez brasileiros. Ela está no topo das prioridades do eleitorado e produz uma rotina de matança nos pronto-socorros (no atendimento do Hospital de Urgências, de Teresina, registraram-se seis mortes por dia no primeiro trimestre);

c) o déficit de saneamento básico, que adiciona à superlotação dos hospitais um contingente de 700 mil novos pacientes por ano. Oito em cada dez projetos federais anunciados há quatro anos, por exemplo, não saíram do papel.

Como não se sabe se Aécio e Dilma têm propostas para lidar com essas emergências nacionais, cujas características são doenças em disseminação, mortes no atacado e destruição econômica, resta uma possibilidade: talvez ainda não tenham conseguido enxergar o problema.

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