quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Luiz Carlos Azedo - Escolhas do acaso

• Qualidades pessoais e as propriedades de qualquer situação ou ambiente não levam direta e inequivocamente a consequências precisas. O mundo onde tudo pode ser previsto não existe

Correio Braziliense

Um dos novos campos de investigação acadêmica é o modo como as pessoas fazem julgamentos e tomam decisões quando defrontadas com informações imperfeitas ou incompletas. Em situações que envolvem o acaso, o cérebro é deficiente. Para entender o que acontece, os especialistas recorrem à chamada nova ciência, que mistura física, matemática, psicologia cognitiva, economia comportamental e até neurociência.

O livro O andar do bêbado: como o acaso determina nossa vida (Rio de Janeiro, Jorge Zahar) é uma tentativa de tornar mais amigável esses estudos sobre aleatoriedade, ou seja, os princípios do acaso na política, nos negócios e outras áreas de atividade humana, como a medicina, o esporte e as artes. Seu autor, Leonard Mlodinow ensina Teorias da Aleatoriedade no Instituto de Tecnologia da Califórnia. Escreveu, com Stephen Hawking, o livro Uma nova história do tempo. É um cara de sorte: estava no World Trade Center na hora dos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001; também por acaso, sobreviveu.

O livro parte de uma tese do economista Richard Thaler, especialista em finanças comportamentais, pela qual “um bêbado andando em um campo pode criar um caminho aleatório, embora ninguém possa chamar sua escolha de direção racional. Se os preços dos ativos dependem do trajeto que o bêbado adotou, seria boa ideia estudar como bêbados se orientam”. Trata-se do “caminho aleatório” da Hipótese do Mercado Eficiente: os investidores não adivinham se o conteúdo da nova notícia será positivo, isto é, favorável à alta; ou negativo, levando à baixa das cotações. Esse “caminho aleatório” recomenda que a melhor atitude é acompanhar o mercado e não tentar superá-lo.

É o que está acontecendo com a Bolsa de Valores, em função das eleições presidenciais. Grandes bancos de investimento fazem o que chamam de “pesquisas clones” sobre o cenário eleitoral, às vésperas das sondagens registradas na Justiça Eleitoral. Se vai sair um Datafolha, fazem uma pesquisa com a mesma metodologia; se é o Ibope, idem. O resultado serve para orientar o movimento de compra e venda de ações, principalmente das empresas estatais, como a Petrobras, e – ou quase -, como a Vale, que é controlada pela Previ. As ações das empresas com tarifas reguladas pelo governo, como companhias de energia, por exemplo, também sofrem impacto. O mercado acompanha por “efeito manada”.

Os grandes bancos avaliam que a atual política econômica, que consideram um fracasso, será mantida se a presidente Dilma Rousseff (PT) for reeleita, pois ela não fez nenhuma autocrítica até agora. Por isso, quando a pesquisa é favorável à petista, as ações são vendidas, e a cotação da Bolsa cai; quando o resultado mostra Aécio Neves (PSDB) na frente, o movimento é de compra, e a Bolsa tem forte alta, como aconteceu na segunda-feira passada. Ontem, foi um dia esquizofrênico: a Bolsa abriu em forte queda por causa da pesquisa Vox Populi e virou à tarde, entrando em alta, por causa de dois levantamentos do mercado financeiro, um clone do Ibope, outro do Datafolha – institutos que divulgarão pesquisas hoje.

A sorte pede passagem
O livro de Mlodinow também vem a calhar porque o acaso fez das eleições presidenciais de 2014 um capitulo à parte na história recente. Pela primeira vez, desde a instituição da reeleição, um presidente da República corre sério risco de perder. Fernando Henrique Cardoso se reelegeu no primeiro turno, embora depois tenha sido atropelado por uma crise cambial; Lula teve que suar a camisa por causa do escândalo de mensalão, mas fez um passeio no segundo turno. Dilma, porém, está comendo o pão amassado por ela própria e pelo diabo.

Tudo parecia caminhar para a reeleição dela, até que o candidato do PSB, o ex-governador Eduardo Campos, terceiro colocado nas pesquisas, morreu num desastre aéreo em Santos (SP). Marina Silva, que havia sido impedida de concorrer, assumiu o lugar de Eduardo, de quem era vice, e disparou nas pesquisas, deixando Dilma e Aécio para trás. Graças a um acaso, liderou a disputa até duas semanas antes do primeiro turno, quando foi ultrapassada por Aécio, cuja caminhada para o segundo turno seguiu a lógica do andar descrito acima.

Mlodinow critica a ideia de que o momento presente determina precisamente a maneira como o futuro se desenrolará. Qualidades pessoais e as propriedades de qualquer situação ou ambiente não levam direta e inequivocamente a consequências precisas. O mundo ordenado, onde tudo pode ser antecipado, computado e previsto não existe. Entretanto, essa era a aposta da presidente Dilma Rousseff e do PT. É a ilusão de inevitabilidade. Na política, como já dizia Maquiavel, o sucesso não depende apenas das contingências. Depende da sorte (fortú), mas o felizardo precisa ser bom jogador. (virtú). Aécio provou que é do ramo.

Nenhum comentário: