sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Maria Cristina Fernandes - PT à mineira

• A máquina de votos do outro lado da Mantiqueira

- Valor Econômico

Estado mais rico já conquistado pelo PT, com o maior número de prefeituras do país, Minas Gerais deu à presidente Dilma Rousseff uma vitória decisiva. Era lá que o PSDB esperava obter uma vantagem de 4 milhões de votos para compensar a parte de cima do mapa. Perdeu por meio milhão. O Estado elegeu ainda dez deputados federais do PT, bancada igual a de São Paulo, que até então ocupava a liderança inconteste na representação parlamentar do partido.

A mineirização do PT foi liderada por um colega de colégio e guerrilha de Dilma, e considerado por muitos, no partido, como o mais tucano dos petistas.

Em 2008 alinhavou com Aécio Neves a mais importante aliança já havida entre PT com o PSDB, que serviu a ambos para manter no fim da fila correligionários afoitos em assumir protagonismo.

Este ano o ex-prefeito de Belo Horizonte e ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Fernando Pimentel estabeleceu outro paradigma ao se tornar o primeiro petista a derrotar um tucano pelas propriedades que não tem.

No Estado de origem de Aécio, a acusação mais pessoal da campanha de Pimentel foi a declaração patrimonial de Pimenta da Veiga que, junto à Justiça Eleitoral, não declarou um único bem em Minas.

Fez campanha em cima dos feitos e desfeitos de gestões petistas e tucanas. Foi lá que a campanha presidencial colheu o 'quem conhece não vota'. Se Dilma levou um 'leviana' de Aécio, Pimentel recebeu um 'mentiroso' de Pimenta, rebatido com um 'é lamentável' e uma ação na justiça.

Na eleição presidencial de 2006 o PSDB conseguiu, em Minas, mais votos no primeiro do que no segundo turno. Naquele ano Aécio foi reeleito governador de Minas no primeiro turno. Ultrapassou em quatro milhões a votação que Geraldo Alckmin alcançaria no Estado no segundo turno.

Pimentel inverteu a ordem. Eleito com uma folga de mais de um milhão de votos, voltou a percorrer os municípios na primeira semana do segundo turno quando Aécio, que tinha ficado atrás de Dilma por 432 mil votos no Estado, foi à TV: 'Minas nunca me faltou'. Era uma outra maneira de dizer que o mineiro tinha a obrigação de votar nele. Fechadas as urnas, seus correligionários continuavam a verbalizar sua indignação com um eleitor incapaz de enxergar em Aécio a síntese de Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves.

Se Pimentel usasse o discurso 'votou em mim agora tem que votar nela' destoaria do mote 'Minas não tem rei, imperador ou dono' com que tocou a campanha. Fechadas as urnas disse que participaria ativamente do segundo turno mas não na condição de governador eleito. Ainda era grande a possibilidade de vir a coabitar com um presidente tucano.

Blindou o norte do Estado e o triângulo mineiro, redutos petistas, e trabalhou para diminuir a diferença na região metropolitana de Belo Horizonte e no sul do Estado que exporta o sotaque para os paulistas da divisa. Depois de ter sido eleito no primeiro turno com 532 mil votos a mais que Dilma no Estado, Pimentel acabaria por levar a presidente a ultrapassar em mais de um milhão sua votação e em 550 mil a de Aécio.

Seu eleitor, diz, optou pela troca de modelo em Minas e por mudanças por dentro do modelo dilmista.

Poucos têm tanta condição de saber se Dilma está sendo sincera ao dizer que quer ser "uma pessoa ainda melhor do que tem se esforçado por ser". Ao telefone, convence que acredita nisso.

Ao seu mais antigo amigo petista, Dilma aparece como determinada a reconquistar a confiança do mercado. Deu-se conta de que não pode prescindir de capital privado se quiser reerguer a infraestrutura. Junto com a posse virá um modelo que ofereça garantias suficientes para o mercado de capitais acolher papeis lastreados em concessões públicas. O ministro da Fazenda seria um avalista desta confiança.

Pimentel terá seu próprio laboratório para experimentos nas relações com o mercado. Enquanto os tucanos colocaram na berlinda a gestão petista da maior estatal brasileira, sua campanha colocou na roda a administração tucana da maior empresa pública mineira.

A Cemig, que o mercado considera uma das jóias do setor elétrico, remunera seus acionistas com uma tarifa recorde de energia. O mercado se agitou e ele veio a público reafirmar que as mudanças virão da prestação de serviços e da redução da alíquota do ICMS sobre a energia, a mais alta praticada no país.

Pimentel terá quatro anos para fazê-lo, mas já foi muito além dos correligionários paulistas. Do outro lado da Mantiqueira o partido foi incapaz de tornar a gestão da Sabesp uma questão de interesse do eleitor tanto no primeiro quanto no segundo turno e, não apenas por isso, somar ao inédito feito de quatro mandatos nacionais consecutivos a pior votação em seu berço político

Discursos
Discurso de vitória no mesmo dia da eleição é coisa recente. Data da votação eletrônica que apressou os resultados. Na sua primeira eleição, Fernando Henrique Cardoso saiu de sua seção eleitoral direto para o aeroporto e só se pronunciou três dias depois quando proclamado o resultado.

Oito anos depois, com a eleição já informatizada, Lula falou na sede do comitê de campanha em São Paulo de improviso e sem aparato. Fez agradecimentos, citou José Serra, seu adversário, elogiou José Genoíno, petista derrotado em São Paulo, e retomou o discurso da esperança que venceu o medo.

Quatro anos depois, reeleito, foi parar num palanque na Avenida Paulista. O mensalão rifou do discurso os companheiros petistas. Ladeou-se de seus novos aliados pemedebistas e, sempre no improviso, agregou pobres x ricos, corrupção e reforma política.

Em quatro anos surgiram duas Dilmas matematicamente eleitas. Ainda que lidos, os primeiros discursos marcam a temperatura do primeiro balanço das campanhas, do que veio e do que está por vir.

Quatro anos depois desapareceu a primeira mulher eleita presidente. A miséria, citada três vezes em 2010, desta vez foi omitida. Também sumiu a igualdade. Em seu lugar entraram corrupção e reforma política, ambas agraciadas com três menções. Mudança e diálogo ocuparam o panteão dilmista com cinco ocorrências.

Em 2010, a presidente eleita chorou ao falar de Lula, que ficou no Alvorada para não ofuscá-la. Desta vez, Lula estava ao seu lado. E ela o mencionou duas vezes sem se emocionar.

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