sábado, 18 de outubro de 2014

Miriam Leitão - Sentido das palavras

- O Globo

A transição para a economia de baixo carbono é difícil, exige muita mudança, mas vários países estão fazendo esse esforço. Desmatamento zero não é “cortar zero árvore”, é um conceito bem mais sofisticado. As duas expressões estavam na carta que selou o apoio de Marina Silva a Aécio Neves, e não são conceitos vazios. Seja qual for o resultado da eleição, o futuro exigirá isso dos países e governos.

Quem colocou esses itens na agenda não foram partidos, foi a realidade. Há líderes que os viram, outros não. As mudanças climáticas exigem que a economia inverta sua atitude. Empresas, famílias e governos terão de rever hábitos, rotinas e processos produtivos.

A ação é em várias frentes. É inevitável combater o desmatamento e aumentar a conservação. O objetivo é o desmatamento líquido zero. Foco em “líquido”. Alguma supressão sempre haverá, e reconstituição, também. O Brasil não assinou o acordo internacional de proteção das florestas porque queria que o combate fosse só ao desmatamento “ilegal”. Como existem leis flexíveis demais, o governo está errado. Alguns países na Europa, América do Norte e até na Ásia estão buscando o desmatamento líquido zero. O Brasil aumentou o desmatamento em 2013. Andar para trás a esta altura é burrice.

Na agropecuária, é preciso mudar o manejo das pastagens, aumentar a produtividade, usar técnicas que mitiguem as emissões de todos os gases. Há muito produtor no Brasil aplicando novos métodos, seja grande, médio ou pequeno. Os líderes mais modernos do agronegócio já entenderam isso.

Os processos industriais têm que neutralizar e compensar a sua área mais crítica. Certa vez perguntei ao presidente mundial de uma grande multinacional de bebida como neutralizaria o carbono emitido pelos caminhões de entrega. Ele disse que até 2020 reutilizaria toda a água usada no processo produtivo.

Por falar em água, não há ano melhor para levar a sério a recuperação de rios e nascentes, e incentivar a reutilização da água. Se algum governante não entendeu o problema é porque nunca ouviu falar da cidade de São Paulo, não sabe que os reservatórios de Ilha Solteira e Três Irmãos, na Bacia do Rio Paraná, estão no nível zero. Três Marias está com 4%. Na média, Sudeste e Centro-Oeste estão com 19,9% neste outubro da nossa secura. Se alguém ainda acha que basta transpor o rio São Francisco, que está pedindo socorro, é porque não entendeu a urgência da hora e não ouviu o grito das águas.

O Brasil adiou para 2018 o cumprimento da Lei dos Resíduos Sólidos. Demorou para aprová-la, deu um prazo longo para que a cumprissem, e agora adia. A lei é fundamental para empurrar administradores públicos na direção certa porque exige o fim dos lixões e o aproveitamento como energia dos novos aterros sanitários. E nem é preciso falar que esta nova agenda exige investimento em saneamento básico.

A energia é hoje a maior fonte de emissões no mundo. Está ligada à produção, ao consumo e aos transportes. No Brasil, as emissões cresceram pelo uso das térmicas e a demora no uso de fontes de menor emissão. No transporte será preciso repensar a mobilidade urbana. Uma economia de baixo carbono jamais subsidia o combustível fóssil. Os governos têm que pensar na “geração distribuída”, outra expressão que não é sem sentido. As perdas na transmissão chegam a 4,5%; as perdas na distribuição, 8,2%. Essa nova forma de geração incentiva a energia solar, com prédios e casas virando unidades geradoras para entrar numa rede inteligente em que o consumidor vende e compra energia.

Seja qual for o resultado das eleições de 26 de outubro, a pessoa eleita terá duas opções: ignorar tudo isso e andar no sentido contrário do mundo; ou entender e aplicar os conceitos de uma nova, e inevitável, ordem na economia.

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