domingo, 23 de novembro de 2014

Fundos de Pensão também têm clube para negócios suspeitos

• Lava-jato levanta suspeita sobre articulação política de fundos de pensão

Alexandre Rodrigues e Daniel Biasetto - O Globo

Escândalos em série

O clube do amém

O "clube" de empreiteiras descrito por investigados nos processos decorrentes da Operação Lava-Jato não é a única consequência do aparelhamento político de estatais como a Petrobras. Os fundos de pensão de funcionários de estatais e servidores públicos, que administram juntos um patrimônio de mais de R$ 450 bilhões, são descritos como integrantes do chamado "Clube do Amém", apelido dado por participantes e funcionários dessas entidades que encaminharam denúncias de má gestão à Polícia Federal, ao Ministério Público Federal e à Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), órgão regulador do setor. As denúncias apontam o direcionamento de investimentos dessas entidades fechadas de previdência complementar para negócios suspeitos, em que geralmente dividem com outras fundações do setor público prejuízos milionários.

Investigadores da Lava-Jato já encontraram indícios de ramificações do esquema do doleiro Alberto Youssef em fundos de pensão. Em outubro, o advogado Carlos Alberto Pereira Costa, um dos principais auxiliares de Youssef, disse em depoimento que o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, frequentou uma empresa em São Paulo entre 2005 e 2006 para tratar de negócios com fundos de pensão com um operador do doleiro. Carlos Alberto Costa menciona, ainda, um suposto pagamento de propina a dirigentes da Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras. A PF também encontrou e-mails em computadores de pessoas ligadas a Youssef atribuindo à influência de Vaccari a aplicação, em 2012, de R$ 73 milhões das fundações Petros e Postalis, este último dos funcionários dos Correios, na empresa Trendbank, que administra fundos de investimentos, causando prejuízos às fundações. Vaccari negou as acusações. Também em 2012, o Postalis teve prejuízo ao aplicar R$ 40 milhões num fundo no banco BNY Mellon, por meio de uma gestora de investimentos indicada a dirigentes da fundação por operadores de Youssef.

No início deste mês, em novo depoimento à Justiça, Alberto Youssef afirmou que Carlos Habib Chater, dono de postos de combustíveis em Brasília que distribuiu propinas a políticos em nome dele, também opera com outro doleiro, Fayed Traboulsi. Uma das vertentes da Lava-Jato apura possíveis relações financeiras e societárias entre Youssef e Traboulsi, investigado na Operação Miqueias, em 2013. Essa investigação da PF desvendou um esquema de lavagem de dinheiro e má gestão de recursos de entidades previdenciárias públicas envolvendo principalmente investimentos em papéis relacionados ao banco BVA, que sofreu intervenção do Banco Central em 2012 e teve a falência decretada este ano. Traboulsi foi apontado como o dono da Invista Investimentos Inteligentes, que intermediou aplicações de vários fundos de pensão, principalmente de prefeituras, no BVA.

BVA atraiu muitos fundos
A quebra do BVA é um dos exemplos mais recorrentes nas denúncias de participantes dos fundos de pensão sobre o direcionamento de investimentos da entidade por personagens como Traboulsi e Youssef por meio de conexões políticas. Cerca de 70 fundos de pensão investiram R$ 2,7 bilhões no BVA e perderam pelo menos R$ 500 milhões com a derrocada do banco, cujo crescimento exponencial em pouco tempo estava justamente na capacidade de atrair investimentos das entidades de previdência do setor público. A concentração de recursos dos fundos de pensão não era tão visível porque se desdobrava numa enorme teia de operações indiretas, que terminavam até em aplicações deles no capital do próprio banco.

É o caso da aplicação das fundações Serpros, dos funcionários do Serviço Federal de Processamentos de Dados, e Refer, dos empregados da Rede Ferroviária Federal no Fundo de Investimento em Participações (FIP) Patriarca - que, por sua vez, detinha 24% das ações do BVA. Após a liquidação do banco, o Serpros teve uma perda de 97% das cotas de R$ 50 milhões que havia aplicado nesse fundo. Já a Refer perdeu aproximadamente R$ 40 milhões.

Uma denúncia enviada pela Associação dos Aposentados e Pensionistas do Serpros (Aspas) e pela Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão (Anapar) à Previc no ano passado sobre o caso BVA aponta "uma possível articulação entre os fundos para a realização de aplicações nem sempre de acordo com o interesse dos participantes". As entidades estimaram que, dos R$ 146 milhões aplicados pelo Serpros no Patriarca e em outros fundos do BVA, sobraram cerca de R$ 20 milhões. E estranharam semelhanças dos investimentos como os da Refer.

O secretário de Finanças do Sindicato dos Empregados de Previdência Privada do Rio (Sindepperj), Aristótelis Arueira, coleciona outros casos de FIPs ligados ao BVA que deram prejuízos a vários fundos de pensão. Ele relacionou pelo menos sete numa denúncia que encaminhou para a Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros (Delefin) da PF no Rio, que abriu um inquérito para investigar a Refer. Segundo ele, a Refer integra um grupo de fundos que têm seus investimentos direcionados pelos partidos que controlam as estatais que os patrocinam. No caso da Refer, os gestores são indicados por PR e PT:

- O caso BVA mostra uma lista de fundos idêntica àquela que também foi investigada no escândalo do mensalão. De lá para cá, nada mudou. O aparelhamento continua o mesmo: políticos indicam dirigentes e ficam de Brasília indicando em que operações os fundos devem entrar. E os gestores dizem "Amém". Se o fundo perde, alguém ganha na outra ponta.

Participantes formam grupo para combater aparelhamento

• Representantes dos funcionários das estatais se queixam da previc por fiscalização lenta e ineficaz

As suspeitas de uma articulação política para direcionar fundos de pensão levantadas pela Lava-Jato coincidem com as denúncias de funcionários de estatais que contribuem para essas entidades. Um grupo de participantes de Petros (Petrobras), Postalis (Correios), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Previ (Banco do Brasil) realizou um encontro em São Paulo no último dia 12 para trocar informações e reforçar a participação nos órgãos de fiscalização das fundações para combater a ingerência política. Eles pretendem realizar um fórum com participantes de vários fundos no início de 2015.

Uma das integrantes do grupo, a presidente da Associação de Funcionários dos Correios (Adcap), Maria Inês Capelli, reclama da lentidão da Previc, reguladora do setor, à qual entregou um pedido de intervenção no Postalis. Ela denunciou como causa de prejuízos o aparelhamento político da fundação, dominada por PT e PMDB. A fundação coleciona operações controversas, como a perda de R$ 190 milhões com papéis lastreados em títulos de dívida da Argentina e a compra de notas relacionadas à dívida externa da Venezuela. Segundo Maria Inês, o Postalis acumula déficit atuarial de R$ 2,7 bilhões desde 2013:

- É como perder R$ 10 milhões por dia. Os trabalhadores dos Correios estão apavorados com as aposentadorias em risco. É preciso acabar com o aparelhamento político que toma conta dos Correios e do Postalis.

A presidente da Associação dos Participantes de Fundos de Pensão, Cláudia Ricaldoni, discorda:

- A Previc tem tomado bastante cuidado com todas as denúncias. Não concordo com os que acham que o órgão é lento e irregular em suas fiscalizações.

A Previc informou que, "como autarquia de supervisão, não trata publicamente de situações específicas, em face da necessária preservação de fatos e dados".

Para Silvio Sinedino, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras e um dos conselheiros eleitos da Petros, tudo indica que os interessados em lesar os fundos preferem pequenas operações divididas entre várias entidades, que são mais difíceis de rastrear e chamam pouca atenção. Ele explica que, em vários fundos, gestores podem movimentar até 5% do patrimônio sem autorização do conselho deliberativo.

- Essa regra dá uma liberdade enorme, principalmente em fundos grandes. O equivalente a 5% num patrimônio como o da Petros é R$ 4 bilhões. Conseguimos aprovar mudança no estatuto e baixar isso para 0,5%, mas mesmo assim isso significa R$ 400 milhões. É muito dinheiro - diz.
Para Sinedino, só uma orientação externa explica o investimento de R$ 100 milhões de Postalis e Petros em debêntures lastreadas em matrículas da Universidade Gama Filho, no Rio, que fechou as portas em 2013 descredenciada pelo MEC. A universidade já estava mergulhada em dívidas e havia sido recusada por dois grandes grupos educacionais.

O currículo de alguns gestores dos fundos alimenta as denúncias de aparelhamento. Vários já passaram por outras fundações com indicações políticas ou de sindicatos ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Desde o início do governo Lula, em 2003, ex-integrantes do sindicato dos bancários de São Paulo dominam os principais fundos: Previ, Petros, Funcef e Postalis. João Vaccari Neto, o tesoureiro do PT, é originário desse grupo, assim como Wagner Pinheiro, ex-presidente da Petros e atual presidente dos Correios, que indicou o presidente do Postalis, Antonio Carlos Conquista. Este, por sua vez, já foi gestor da Petros e da Fundação Geap (de servidores federais).

Fundos negam coordenação
Procurados pelo GLOBO, Petros, Postalis, Funcef, Refer e Serpros negaram ter negócios ligados aos doleiros Alberto Youssef e Fayed Traboulsi ou participar de qualquer grupo coordenado de entidades para fazer investimentos parecidos. A Refer disse ter sido informada da abertura de inquérito pela PF, ainda em fase inicial, mas atribuiu as denúncias do Sindepperj a uma "guerrilha" que seus integrantes estariam promovendo em busca de cargos na fundação e em outros fundos de pensão. A Refer afirmou que move processos judiciais contra dirigentes do sindicato. O Serpros informou que aguarda na Justiça a chance de reaver os investimentos no Fundo Patriarca e argumenta que não havia "nenhum indicativo que desaconselhasse a operação" quando da análise do investimento. Ainda segundo o Serpros, foram investidos no BVA apenas 2% do patrimônio da fundação, dentro do limite interno estabelecido.

A Petros negou operações relacionadas a Alberto Youssef e afirmou que todos os seus investimentos passam por análises técnicas internas e, no caso de títulos de crédito, exigem avaliações externas e garantias. De qualquer forma, está reavaliando processos. A entidade argumenta que, por se tratarem de grandes investidores de longo prazo, é comum que fundos de pensão privados e estatais participem de um mesmo investimento. Argumento parecido foi usado pelo Postalis, que também negou aparelhamento político. Segundo a fundação, a indicação de seus gestores é feita pelos Correios com base em critérios técnicos. A Funcef afirmou que possui "um modelo de governança exemplar no setor previdenciário" e que não tem atualmente entre seus gestores oriundos de outros fundos.

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