quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Luiz Carlos Azedo - Numa perna só

• A blindagem do tripé meta de inflação, superavit fiscal e câmbio flutuante foi rompida após a crise mundial

Correio Braziliense

Não deve ter sido nada fácil a conversa da presidente Dilma Rousseff com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre os rumos da economia. Ambos têm opiniões distintas sobre o que fazer para retomar o crescimento, mas Lula não é economista. É um político pragmático e assistencialista, que confronta para negociar, desde os tempos do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, apesar da retórica radical que adota nas campanhas eleitorais.

Nas eleições de 1994, Lula foi convencido pela professora Maria da Conceição Tavares e seu vice, Aloizio Mercadante, de que o Plano Real seria mais uma tentativa fracassada de acabar com a hiperinflação. Era o franco favorito, mas acabou atropelado pelo ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco, o então senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que venceu a disputa no primeiro turno e acabou reeleito, em 1998, também no primeiro turno. Tudo porque o Plano Real deu certo.

Desde então, Lula passou a ter um pé atrás em relação a Conceição e a Mercadante. Mas esse nunca foi o caso da presidente Dilma, que foi aluna dos dois petistas na Unicamp. No primeiro mandato de Lula, nas reuniões ministeriais, Dilma era quem enfrentava o então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e o presidente do Banco Central à época, Henrique Meirelles.

Gostava de fazer contas no celular e contestar Palocci, que muitas vezes ficava sem argumentos convincentes porque é médico e não tinha condições de sustentar tecnicamente certos pontos de vista. Foi o caso da famosa proposta de zerar o deficit nominal e limitar a expansão do gasto público a um indicador abaixo do PIB. Dilma classificou a proposta de rudimentar. Palocci, porém, perdeu a guerra por causa da quebra do sigilo do caseiro Francenildo; para seu lugar foi Guido Mantega.

A blindagem do tripé meta de inflação, superavit fiscal e câmbio flutuante foi rompida após a crise mundial, que resgatou do ostracismo os economistas keynesianos, que vêem o Estado como agente indispensável de controle da economia e defendem o pleno emprego. Segundo a Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, de Lord John Maynard Keynes, o ciclo econômico não é autorregulado, mas determinado pelo “espírito animal” dos empresários. Nesse sentido, o Estado tem o direito e o dever de garantir elevação do salário mínimo, do seguro-desemprego, da redução da jornada de trabalho e da assistência médica gratuita.

Sem tripé
Diante da crise, Mantega e Dilma convenceram Lula de que a melhor saída era a adoção das políticas keynesianas, que chamaram de “anticíclicas”. Mantega tirou da cartola o programa Minha Casa, Minha Vida, com investimentos maciços em um setor que movimenta a economia e emprega muita mão de obra, ou seja, com grande “efeito multiplicador”. De igual maneira, o setor automobilístico foi anabolizado com desonerações tributárias e oferta de crédito para compra de automóveis.

Com adoção de outras medidas, essa estratégia garantiu um crescimento do PIB da ordem de 7,5% em 2010, último ano de governo Lula, que conseguiu fazer de Dilma, até então considerada um “poste de saias”, a primeira mulher a presidir o Brasil. Findo o primeiro mandato, porém, o resultado da expansão dos gastos públicos e da leniência com a inflação é o crescimento zero. Mesmo assim, Dilma foi reeleita, porque garantiu os aumentos reais de salário e a preservação dos empregos, além de ampliação da política de transferência de renda para as camadas mais pobres da população.

Entretanto, Dilma ainda não disse a que veio em matéria de economia. Entra no segundo mandato pulando numa perna só, pois o tripé da economia foi para o espaço. A meta de inflação de 4,5% nunca foi levada a sério, o governo mira é o teto de 6,5%. O governo pretendia economizar R$ 100 bilhões, depois reduziu a meta para R$ 50 bilhões. Fechou o ano com o déficit de R$ 25 bilhões, que é uma violência contra a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O que pretende o governo? Acabar com a meta de superavit fiscal, para não incorrer em crime de responsabilidade, mas precisa mudar a lei no Congresso. Ontem, a oposição conseguiu derrubar a proposta na Comissão Mista de Orçamento, porém, o governo não desistiu desse objetivo. Mercadante jogou nas costas da oposição a responsabilidade pela manutenção da meta de superavit fiscal proposta anteriormente pelo próprio governo, com o argumento de que isso representará recessão e desemprego. Ou seja, o governo quer dobrar a aposta.

É nesse cenário que a presidente Dilma e o ex-presidente Lula tentaram chegar a um nome de consenso para o Ministério da Fazenda. Está difícil.

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