domingo, 9 de novembro de 2014

Merval Pereira - Sinais ambíguos

- O Globo

Em cenários feitos antes da eleição, pelo cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio, não havia um quadro tão confuso como o que emergiu das urnas, uma mistura de cenário otimista, do ponto de vista político, e pessimista para a presidente Dilma.

O cenário pessimista previa uma vitória no segundo turno por uma pequena diferença, e isso foi o que aconteceu.

Mas o PT continuou sendo o maior partido na Câmara, apesar de ter perdido 18 deputados federais, manteve-se mais ou menos o que era no Senado e teve uma grande conquista nas eleições estaduais que foi o governo de Minas.

A relação do governo com o Congresso vai depender muito dos sinais que a Dilma vier a dar nas próximas semanas, e o cientista político da FGV tem três critérios para a presidente melhorar sua relação com a base governista: primeiro, tratar melhor os aliados no que concerne à distribuição de cargos, sobretudo o PMDB.

Ele esclarece que insiste no PMDB por que a pulverização partidária é tal que os partidos estão muito pequenos para pedir mais de um ministério, só o PMDB teria direito a mais ministérios. Outra coisa que sinalizaria uma maior disposição da Dilma de ouvir, consultar e cooperar seria reduzir a emissão das medidas provisórias.

Para Octavio Amorim Neto, Dilma é uma das presidentes mais decretistas desde a promulgação da Constituição que 1988, se relacionarmos o número de decretos com a promulgação de projetos de lei.

 Nos três primeiros anos, Dilma emitiu 116 medidas provisórias e propôs apenas 81 projetos de lei.No segundo mandato de Fernando Henrique, por exemplo, foram 206 medidas provisórias e 236 projetos de lei ordinária, muito mais equilibrado. O terceiro critério seria a presidente respeitar os vetos de seus aliados a determinadas iniciativas.

Isso já não aconteceu no discurso da vitória, ressalta Amorim Neto. Em junho de 201, após as grandes manifestações populares, ela propôs um plebiscito para a reforma política e o PMDB vetou. Passados 1 ano e meio, ela propõe novamente o plebiscito, forçando o PMDB a vetar no dia seguinte, esgarçando a relação dos dois partidos.

Isso tem a ver com problemas intrapartidários da Dilma, lembra ele. Ela tem problemas dentro do PT e dentro da coalizão. No PT, tem que lidar não apenas com Lula, e sua proposta de se adotar uma política econômica mais pragmática, mas também com a esquerda do partido, que demanda projetos mais vigorosos. A sinalização dela tem sido muito ambígua, refletindo perfeitamente o resultado da eleição.

Dentro da ambiguidade dos resultados, a redução da bancada do PT na Câmara, que perdeu pela primeira vez a hegemonia dos votos de legenda para o PSDB, um indicador que sempre foi a seu favor. Mas a situação do PSDB também é ambígua. Nunca teve um desempenho tão bom no segundo turno, saiu renovado da eleição, mas teve essa derrota em Minas que é uma marca muito séria. Por pouco também o PSDB não cai à condição de partido médio na Câmara, ressalta o cientista político da FGV. Como temos um sistema muito fragmentado, um partido médio no Brasil é o que tem menos de 10% das cadeiras. O PSDB teve um pouco mais que esses 10% (52), com 54 cadeiras na Câmara.

Temos, portanto, analisa Octavio Amorim Neto, um sistema bipartidário no plano presidencial há 20 anos, um sistema altamente fragmentado no Congresso, porém os três maiores partidos continuam sendo os mesmos: PT, PMDB e PSDB. Há indicadores de pulverização por um lado, mas estabilidade por outro.

A conseqüência do processo do “petrolão” vai depender, segundo o cientista político Octavio Amorim Neto, do que acontecer no plano econômico. Se se fizer necessário um ajuste profundo, como alguns economistas estão dizendo, é muito provável que o Executivo tenha que propor reformas constitucionais ao Congresso. Nesse caso, a coligação da Dilma, que tem 59% da Câmara, teria que pedir a cooperação da oposição, especialmente do PSDB e do PSB.

Nesse caso a oposição vai pedir em contrapartida uma investigação mais dura do escândalo da Petrobras, que pode tomar um tempo enorme do Congresso ao longo de 2015. Essa ambiguidade da Dilma vai se traduzir em um fosso muito grande entre a retórica da presidente e as ações do governo. 

É muito possível, avalia Amorim Neto, que ela utilize uma clássica tática peronista, ir para a direita sinalizando para a esquerda. Lula é mestre em fazer isso, uma retórica pública muito à esquerda para compensar decisões que vão em sentido contrário.

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