quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Míriam Leitão - O pagador das contas

- O Globo

Foi mais uma canetada na área de energia e que vai desorganizar mais um pouco o setor. Agora, a Aneel decidiu que o preço máximo do mercado spot será R$ 388 e não R$ 822. Existem 81 térmicas que geram a um custo superior a R$ 388 e que continuarão ligadas. A diferença entre o custo real e o preço será paga por todos os consumidores, inclusive você que me lê neste momento.

Na sua conta de luz virá um item chamado ESS, Encargos de Serviço do Sistema. É neste ponto que será descarregada toda a diferença entre o custo real e o estabelecido pela Aneel, para varrer para debaixo do tapete parte da confusão criada pelo governo quando, com outra canetada, a MP 579, tentou baixar na marra o preço da energia. Ela caiu e depois subiu muito mais do que havia sido reduzido porque a economia tem suas leis inexoráveis: a conta sempre chega em algum lugar, para alguém.

A medida, além disso, transfere renda entre empresas. As geradoras Copel, Cesp, Cemig, de estados governados pelo PSDB, perderão renda. Elas haviam se recusado a renovar as concessões com base na MP 579, por considerarem que não era um bom negócio. E estavam certas. A Eletrobrás e outras estatais federais, que foram obrigadas a aceitar, tiveram prejuízo. Agora, as empresas dos estados de São Paulo, Minas e Paraná terão que vender suas sobras a um preço abaixo do custo de geração de dezenas de unidades. E quem ganhará? A EDP, por exemplo, Energia de Portugal, ou a Eletropaulo, ou a CPFL, empresas privadas e que venderam toda a energia que podem produzir. Como as condições hídricas não as permitem gerar todo o seu potencial, elas teriam que comprar no mercado spot para entregar aos clientes. Agora pagarão menos.

- Eles socializaram o prejuízo, salvando algumas empresas que venderam no máximo, e não poderiam entregar, ou as distribuidoras que estavam descontratadas - afirmou uma fonte do setor.

Parece favorecer o consumidor, mas todo mundo vai pagar um pedaço da conta. Do consumidor residencial ao industrial, mesmo aquele que tem toda a sua energia contratada previamente. Há térmicas como a Electrum, a óleo combustível, que gera a R$ 1.165,12 o MWh. Mesmo assim a Aneel decidiu ontem que o preço máximo é R$ 388.

O governo pode argumentar que não foi ele, exatamente, já que é a agência reguladora que estabeleceu depois de audiências públicas. Há muito tempo as agências deixaram de ser independentes. São braços do governo. E as audiências públicas são pró-forma. Tanto que o setor anuncia, segundo o "Valor" de ontem, que entrará na Justiça contra a decisão.

Ontem mesmo o ONS divulgou que o nível dos reservatórios do Sudeste caiu para 15,26%, o percentual mais baixo desde 2000 para meses de novembro. Até mesmo no ano do apagão, 2001, a taxa era maior do que agora, de 23,04%. É verdade que ainda pode se torcer para chover muito até o final do mês, mas nem mesmo o Operador Nacional do Sistema Elétrico acredita que isso vai acontecer. Na semana passada, o ONS reduziu a estimativa do nível dos reservatórios para 14,9% no final do mês. No Nordeste, chegará ao fim do mês em 12,6%. No mesmo período do ano passado, o nível do Sudeste era de 41% e no Nordeste, 22,19%.

Será preciso um grande esforço para reorganizar o setor elétrico todo amarrado com gambiarras, mas, pelo visto, o governo continuará fazendo truques. Tanto na área fiscal quanto na área elétrica. Não existe almoço grátis na economia, e não se pode reduzir um preço quando aumenta a escassez. Medidas artificiais continuarão elevando o desajuste.

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